"O Príncipe da nossa cidade"
Testemunho sobre Miguel Veiga, que morreu nesta segunda-feira, aos 80 anos.
A nossa amizade sem fim nasceu há quase 60 anos, quando me lancei à conquista de Coimbra e o Miguel passeava pelo último ano de Direito como um dos melhores alunos, partilhando a mesma casa.
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A nossa amizade sem fim nasceu há quase 60 anos, quando me lancei à conquista de Coimbra e o Miguel passeava pelo último ano de Direito como um dos melhores alunos, partilhando a mesma casa.
Quando, em 1967, regressei ao Porto, passamos a encontrar-nos com grande frequência, o que foi muito ajudado pela grande amizade que o ligava ao meu Pai, cuja dimensão humana e coragem moral tanto admirava, ambos cruzando muitas afinidades, dos ideais aos afectos, à autenticidade e naturalidade com que gostavam dos outros, ao entusiasmo com que assumiam a maravilhosa aventura que é viver.
Aproximaram-nos, também, muito naturalmente, os nossos centros de interesse e os grandes amigos comuns.
No plano político, recordo a nossa participação nas primeiras eleições na era de Marcello Caetano, apoiando a lista da oposição da CEUD. Logo após o 25 de Abril de 1974, colaborámos com Francisco Sá Carneiro no lançamento do PPD e, juntamente com o António Leite de Castro, representámos o Porto na reunião na Curia em que foram escritas as linhas programáticas do Partido.
O seu papel na Comissão Política Nacional do PPD foi de decisiva importância para, com coragem e lucidez, afirmar o PPD como uma das principais forças políticas portuguesas. Com a mesma desilusão e desgosto abandonamos este partido em 9 de Dezembro de 1975.
Miguel Veiga sempre encarou a participação política de forma desinteressada, afirmando, às vezes corajosamente isolado, as suas convicções e os valores em que acreditava.
Não quero deixar de sublinhar, nas nossas causas da Cidade, as primeiras conversas com Lucas Pires, então ministro da Cultura, em que se debateu a aquisição da Casa de Serralves pelo Estado para instalar uma Fundação – mais tarde, concretizada com o maior sucesso por Teresa Patrício Gouveia – o movimento dos “Amigos do Coliseu”, a luta contra os molhes na Foz do Douro, a frustrante e conturbada participação na Porto 2001 e a colaboração que demos ao importante projecto de Requalificação da Baixa, participando no Conselho Consultivo da SRU. Encontrámo-nos, também, no apoio a importantes instituições culturais da Cidade como a Árvore, o Lugar do Desenho e a Fundação Eugénio de Andrade. Mais recentemente, ambos apoiámos a candidatura de Rui Moreira à Câmara do Porto.
Como era bom saber que contávamos sempre com o Miguel Veiga quando dele precisávamos e quanto nos ajudava a sua presença a saber enfrentar momentos mais difíceis ou a viver intensamente alegrias e sucessos.
Como escreveu Eugénio de Andrade, “o Miguel Veiga é um homem de um imenso amor à cultura e à terra onde nasceu. E para amar assim é preciso ser generoso, de uma generosidade que é o outro nome da inteligência. Gosto de gente assim, capaz de fazer da própria vida a mais bela das suas obras.”
Ou, como nos diz Baptista Bastos, “Um homem de cultura, de glória, de honra e de panache. A fidelidade sem cedência aos padrões da integridade, o riso claro e o ardente anseio de modernidade fazem de si um daqueles que todo o homem de bem deseja como amigo.”
O que sempre me impressiona no Miguel foi conseguir ser em quase tudo um superlativo absoluto – nas convicções, nos afectos, nos valores.
Nas convicções, o seu carácter íntegro e insubmisso, a sua frontalidade, desassombro e coragem ajudaram a que fosse visto como um inquebrantável defensor dos valores em que acreditava e, também, um empenhado “Portuense do Mundo”, como o classificou Mário Cláudio, “O Príncipe da nossa Cidade” para Octávio Cunha, “O rosto do velho e novo Porto de sempre, da sua lealdade, da sua inteireza” como disse Manuel Alegre.
Nos afectos, amigo de uma ilimitada generosidade, de uma lealdade e solidariedade sem rugas, com uma transbordante alegria de viver e raro sentido de humor, conversador único e contador de histórias insuperável, como ele próprio nos dizia “com um enorme apetite pela vida, seduzido e fascinado pela vida”.
Finalmente, nos valores sempre foi fiel à liberdade, à democracia, à verdade, à transparência, à ética e à estética.