PCP, um partido com um discurso em dois tempos
Tem o PCP um discurso dúplice? A direcção comunista aceita apoiar o Governo PS no Parlamento, mas demarca-se e critica os socialistas e a sua governação nas Teses ao Congresso. Jorge Cordeiro explica a razão de ser de um partido a duas vozes.
Com o XX Congresso à porta — realiza-se entre 2 e 4 de Dezembro em Almada —, o PCP prepara-se para se assumir como um partido que influencia directamente o Governo e algumas soluções legislativas, mas que tem um projecto alternativo e crítico da governação socialista. As divergências são tanto estratégicas quanto de objectivos e ficam patentes em relação à política orçamental. Mas esta dualidade não é considerada contraditória por Jorge Cordeiro, membro da comissão política do partido.
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Com o XX Congresso à porta — realiza-se entre 2 e 4 de Dezembro em Almada —, o PCP prepara-se para se assumir como um partido que influencia directamente o Governo e algumas soluções legislativas, mas que tem um projecto alternativo e crítico da governação socialista. As divergências são tanto estratégicas quanto de objectivos e ficam patentes em relação à política orçamental. Mas esta dualidade não é considerada contraditória por Jorge Cordeiro, membro da comissão política do partido.
“O limite do défice é arbitrário e um factor de coacção sobre o desenvolvimento económico”, declara ao PÚBLICO Jorge Cordeiro. E questiona: “O Governo quer estar abaixo dos 3%, mas, dito isto, por que é que a redução vai para 1,6%? Estamos a falar em milhões de euros. Se o défice ficasse em 2,6%, eram libertados milhões para investir.”
Frisando a importância de ser “visível nos Orçamentos do Estado para 2016 e 2017 a consolidação de medidas e os passos novos na devolução e conquista de direitos”, Cordeiro lembra que os comunistas têm também uma posição divergente em relação à dívida, que em Dezembro de 2015 estava em 231,1 mil milhões de euros e cuja renegociação é defendida no projecto de resolução política a aprovar em Almada, conhecido como “Teses ao Congresso”. O dirigente comunista salienta que o facto de a “dívida pública” consumir anualmente “8,5 mil milhões de euros em juros”, torna-a num obstáculo ao desenvolvimento: “O problema do país é a dívida, não o défice.”
Acrescenta ainda Cordeiro que “a dívida reflecte-se em espartilhos, como o défice excessivo, que pressionou o país em 2016 com o quadro sancionatório”. E considera “o objectivo de redução do défice absolutamente insuportável” e impeditivo de “o PS ir mais longe”, em assuntos como o descongelamento das carreiras na função pública, já que “toda a avaliação é feita por um valor de equilíbrio”. Daí que conclua: “Temos consciência de que, libertados desse espartilho, podemos dar respostas, até no investimento público, o que falta é o dinheiro para o investimento público.”
Estes dois factores — dívida e défice — servem para Cordeiro salientar que o principal não é a divergência de posições entre os dois partidos, mas sim entre a política que o PS diz querer praticar e os pressupostos a que os socialistas obedecem. “Não partilhamos a posição do PS. O PS diz que esta situação prova que é possível compatibilizar a política em determinado sentido e as regras da União Europeia”, afirma o dirigente do PCP. E contrapõe: “Temos posição contrária — a vida prova que a necessidade de ir mais longe esbarra com os constrangimentos que a União Europeia coloca.”
É nesse sentido que as Teses ao Congresso voltam a defender no ponto 2.6.2. que Portugal deve preparar a saída do euro e da União Económica e Monetária: “A libertação da submissão ao euro é necessária e é possível. O país tem de estudar e preparar a sua libertação da submissão ao euro, decorra esta opção de uma decisão soberana do povo português, de uma imposição externa ou de um processo de dissolução da União Económica e Monetária.”
“Não apoiamos o PS”
Sustentando que não há nenhuma contradição entre os objectivos e discurso crítico das políticas do Governo e o apoio parlamentar que o PCP dá à governação socialista, Cordeiro advoga: “A leitura de que apoiamos o PS não é verdadeira. Não estamos a apoiar o PS — estamos a intervir combatendo as questões que achamos deverem ser combatidas e assegurando medidas que achamos positivas, apoiando questões que foram introduzidas no entendimento que assinámos.”
Indo mais longe na demarcação em relação aos socialistas, Cordeiro defende que “o Governo do PS não é um governo de esquerda”. Explica que o entendimento do PCP com os socialistas surge no contexto específico das últimas legislativas. “Abriu-se a perspectiva do entendimento em vigor. Temos a obrigação e o dever de assegurar, num quadro que se tornou possível, a continuação de um ciclo que, não sendo novo, tinha uma intensidade maior com o pacto de agressão que tem os rostos do PS, do PSD e do CDS”, sublinha Cordeiro. E prossegue: “Tendo a oportunidade, não se devia perdê-la. Foi possível abrir caminho de reposição de rendimentos, de direitos e a conquista de novos direitos até.”
Membro da comissão política e um dos responsáveis na direcção comunista pelas negociações para chegarem à assinatura do entendimento com o PS, Cordeiro também não encontra nenhuma contradição entre o PCP continuar a afirmar-se como partido revolucionário e detentor de um projecto que tem como objectivo a construção de uma sociedade socialista e comunista com o apoio a um modelo de governo que classifica como capitalista.
Esse papel e objectivo são confirmados pelo ponto 1.4.1. das Teses ao Congresso, em que é afirmado que “a exigência da alternativa, de uma sociedade sem exploradores nem explorados, socialista e comunista, é indissociável da própria natureza do capitalismo e determinada pela necessidade de superar as suas contradições insanáveis”; é garantido também que “amadurecem as condições materiais objectivas para a revolução socialista, independentemente da forma que vier a assumir”.
Daí que Cordeiro afirme: “Não separamos a luta por objectivos imediatos de outros que, do ponto de vista do partido, permitem construir o socialismo e o comunismo.” Argumenta que o PCP tem “um ideal comunista e esse percurso faz-se procurando a correlação de forças e alicerçado nos objectivos gerais”. E conclui: “A luta pela ruptura com a política de direita, a luta patriótica e de esquerda não nos separa do programa pela democracia avançada, não nos separa da luta pelo socialismo.”
O dirigente comunista não hesita em considerar que o PCP “não tem nenhuma ilusão quanto ao que a situação representa”, ou seja, que “há um governo PS que governa com o seu próprio programa”. E salienta: “Não escondemos que consideramos que permanecem traços de políticas de direita. Ninguém abdica dos seus projectos programáticos.”
Uma posição que é assumida nas Teses ao Congresso, onde no ponto 2.5.5 se lê que “são conhecidas as distintas opções programáticas do PS, o seu percurso e a sua assumida atitude de não romper com os constrangimentos externos — seja em relação às imposições da União Europeia, à submissão ao euro ou à dívida —, ou a não ruptura com os interesses do capital monopolista. Opções associadas aos elementos estruturantes da política de direita e que continuam presentes na acção governativa.”
Para Cordeiro, não há dúvidas de que “não há nenhum elemento contraditório na acção do PCP”. O objectivo é apenas um: “Aproveitamos todas as hipóteses de dar melhorias aos trabalhadores. Sem nenhuma hesitação de nos batermos até ao limite para responder o melhor que podemos à consagração dos direitos que queremos ver consagrados. Estamos a fazer tudo para cumprirmos os compromissos com trabalhadores e os nossos objectivos de luta.”
sao.jose.almeida@publico.pt