“You want it darker”
É tempo de “Bruxelas” – essa longínqua Bruxelas que funciona em “petit comité”, quando não em “berlinois comité”- perceber que a sua atuação, tantas vezes irresponsável e sem atender ao sentir das pessoas, tem também contribuído para o agravamento da distância.
Para lá de toda a precaução que a diplomacia recomenda, para lá da necessidade de todos devermos continuar a contribuir para o bom relacionamento presente e futuro entre povos e Estados, e sobretudo entre Estados com uma longa relação de amizade, como Portugal e os EUA, que está acima de tudo, a eleição de Donald Trump para 45º Presidente dos Estados Unidos da América suscita, naturalmente, inquietações em muitos democratas das mais diversas origens e extrações pelo mundo fora, a começar, como se tem visto, pelos próprios EUA.
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Para lá de toda a precaução que a diplomacia recomenda, para lá da necessidade de todos devermos continuar a contribuir para o bom relacionamento presente e futuro entre povos e Estados, e sobretudo entre Estados com uma longa relação de amizade, como Portugal e os EUA, que está acima de tudo, a eleição de Donald Trump para 45º Presidente dos Estados Unidos da América suscita, naturalmente, inquietações em muitos democratas das mais diversas origens e extrações pelo mundo fora, a começar, como se tem visto, pelos próprios EUA.
O mais perturbador deste processo é perceber como é que alguém que disse o que disse ao longo de todo este processo, como é que alguém que atuou como atuou ao longo da sua carreira, consegue ser sufragado como Presidente da maior superpotência mundial? A resposta é, certamente, complexa e exigirá um longo esforço de análise que a todos interessará, e que já começa a ter importantes contributos na comunicação social internacional. Mas esta eleição, para lá do circunstancialismo interno norte-americano que a poderá explicar, é mais um brutal alerta para as democracias de todo o mundo, que se segue a alertas como o referendo britânico ou as ameaças populistas que vão surgindo em todo o mundo e que terão em breve mais “testes de fogo”, em países tão próximos de nós, como a Itália e o seu referendo constitucional, já no início do próximo mês, ou a França, com eleições presidenciais no próximo ano.
E a verdade é que as democracias se têm vindo a dar mal com estes “testes de fogo”, o que além de nos inquietar, nos devia fazer refletir e, sobretudo, agir sobre as suas razões profundas. A estupefação perante notícias como a eleição nos EUA não tornar-se paralisante.
Se as eleições americanas demonstraram que Washington se tornou numa realidade distante e distanciada para muitos milhões de norte-americanos (entre os que viram, do meu ponto de vista erradamente, em Trump um voto de protesto e os que, simplesmente, se abstiveram…), a verdade é que na Europa também temos vindo a assistir ao aumento dessa sensação de distanciamento, se quisermos, “agravada” por muitos sentirem o centro de poder em Bruxelas, ainda mais longe que as respetivas capitais nacionais. E é também tempo de “Bruxelas” – essa longínqua Bruxelas que funciona em “petit comité”, quando não em “berlinois comité”- perceber que a sua atuação, tantas vezes irresponsável e sem atender ao sentir das pessoas tem também contribuído para esse agravamento da distância. A forma rápida como aquele que foi, para muitos povos e Estados, o “sonho europeu” se esboroou devia servir de profunda reflexão para todos nós, europeus.
Falar a verdade, por muito difícil que ela possa ser, abandonando as meias-tintas a que o politicamente correto muitas vezes nos tem conduzido, aproximar o exercício do poder das pessoas, fazê-las sentir que a sua opinião e o seu voto contam, efetivamente contam, é o grande desafio que as democracias têm pela frente. E a única forma de combater os populismos inquietantemente crescentes, mas que não serão com certeza inevitabilidades históricas. Não, o medo não se combate com o medo, ao contrário do que o resultado norte-americano pode levar a concluir.
Não posso também deixar de lamentar, neste momento, a oportunidade perdida que constituiu a não eleição da primeira mulher como presidente da Nação mais poderosa do planeta, pela carga simbólica que esse facto constituiria. Não foi ainda desta que foi quebrada essa “barreira de cristal”, como é conhecida na politologia norte-americana. Mas talvez Hillary Clinton fosse demasiadamente a representante daquela lonjura e daquele “meio-tintismo” que foi duramente chumbado.
Alguns primeiros sinais que Trump foi deixando parecem apontar para um recuo em algumas das suas teses mais preocupantes ao longo de toda a campanha de medo, ódio, xenofobia e misogenia. Veremos e veremos até que ponto. Mas os tempos, esses não são luminosos. Evoco o génio de Leonard Cohen, irreparável perda destes dias, no seu pré-aviso de morte: “You want it darker”. Não, não queremos mais escuridão.