Tribunais recusam pulseira electrónica por “puro preconceito”
Advogados lembram que lei já permite saídas antecipadas com recurso à vigilância electrónica mas alegam que tribunais de execução de penas recusam os pedidos por “puro preconceito”.
A necessidade de libertar das cadeias cerca de 11% dos reclusos foi assumida pela Ministra da Justiça, Francisca van Dunem, que, em Outubro, incumbiu um grupo de trabalho de apresentar, até ao final do ano, propostas de alteração ao Código Penal capazes de maximizar o recurso à pulseira electrónica, nomeadamente nas penas de curta duração, e assim responder ao problema da sobrelotação.
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A necessidade de libertar das cadeias cerca de 11% dos reclusos foi assumida pela Ministra da Justiça, Francisca van Dunem, que, em Outubro, incumbiu um grupo de trabalho de apresentar, até ao final do ano, propostas de alteração ao Código Penal capazes de maximizar o recurso à pulseira electrónica, nomeadamente nas penas de curta duração, e assim responder ao problema da sobrelotação.
Em Setembro havia mais de mil pessoas em casa com pulseira, a maioria preventivos. Apenas 71 beneficiavam da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o que a actual lei permite permite que se faça em condenações inferiores a um ano. Do mesmo modo, a lei já permite que alguns condenados vão apenas passar o fim-de-semana à cadeia, vivendo a sua vida normal, emprego incluído, nos restantes dias: é a chamada prisão por dias livres. No fim do segundo trimestre de 2016, a DGRSP dava conta de 565 presos em regime de dias livres, o equivalente a 4,1% do total de reclusos. Na mesma data, havia 360 reclusos (2,9%) condenados a penas de prisão até seis meses, a que se somavam os 494 (4%) condenados a penas entre os seis e os 12 meses. Tudo somado, chega-se aos referidos 11% do total de reclusos.
A questão, para o advogado Pedro Carvalho, é que para atalhar ao problema da sobrelotação não seriam sequer precisas grandes mexidas na lei. “O problema não é da lei mas da resistência dos juízes à aplicação da lei”, acusa, qualificando como “vergonhosa” a recusa por parte dos tribunais da aplicação da pulseira electrónica na adaptação à liberdade condicional. É uma fase intermédia, entre o encarceramento e a liberdade condicional, executada em regime de permanência na habitação, com recurso à vigilância electrónica. Segundo o artigo 62 do Código Penal, a iniciativa de a requerer compete ao condenado em requerimento dirigido ao Tribunal de Execução de Penas.
“Os juízes não querem aplicar a medida e não é por falta de requisitos, mas por uma manifesta resistência. É uma mentalidade que tem de mudar”, insiste Carvalho, para quem o mesmo se passa com a concessão de liberdade condicional a condenados a penas de oito anos para cima. “Em noventa e muitos por cento dos casos de tráfico, homicídio e crimes violentos, os reclusos não beneficiam da liberdade condicional a meio da pena com o argumento de que isso irá criar perturbação social. Se assim é, mudemos então a lei para não estarmos a criar falsas expectativas aos reclusos”, indigna-se.
No ano passado, o advogado Carlos Duarte diz ter feito “entre 30 a 35 pedidos” de aplicação de pulseira electrónica como medida substitutiva de prisão e “nem uma foi atribuída”. “Todos os colegas se queixam do mesmo. E bastaria que os tribunais de execução de penas aplicassem a lei que já existe”, concorda, para acrescentar que “a desculpa dos juízes é sempre a mesma”, ou seja, alegam que há perigo de reincidência. “Mas”, contrapõe Duarte, “um indivíduo que foi preso por roubar e que sai como é que vai reincidir, se está em casa com pulseira electrónica?!”
Logo, “é um problema de mentalidade e de preconceito”, conclui.