Mudanças curriculares: ministério excluiu sociedades científicas
Ministério da Educação alega que não está em curso uma revisão curricular. Cientistas querem ser recebidos com urgência por Tiago Brandão Rodrigues.
O Ministério da Educação está a excluir as sociedades científicas do processo de mudança dos currículos escolares, que está actualmente em curso, denunciaram ao PÚBLICO os responsáveis das sociedades portuguesas de Matemática, de Química, de Física e de Filosofia, que nesta sexta-feira enviaram uma carta ao ministro Tiago Brandão Rodrigues a pedir uma reunião de urgência sobre este processo.
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O Ministério da Educação está a excluir as sociedades científicas do processo de mudança dos currículos escolares, que está actualmente em curso, denunciaram ao PÚBLICO os responsáveis das sociedades portuguesas de Matemática, de Química, de Física e de Filosofia, que nesta sexta-feira enviaram uma carta ao ministro Tiago Brandão Rodrigues a pedir uma reunião de urgência sobre este processo.
O ministro indicou, por mais de que uma vez, que as sociedades científicas estão a participar neste análise, mas no final de Outubro o secretário de Estado da Educação, João Costa, em resposta à Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), foi taxativo. A SPM tinha-lhe pedido uma reunião para saber as razões de não ter sido convidada a fazer parte da revisão dos currículos. A resposta de João Costa foi esta: “O trabalho em curso é um trabalho integrado, relacionando todas as disciplinas. Exactamente por ser um trabalho centrado na gestão curricular foi minha opção convocar as associações profissionais e não as sociedades científicas”.
Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação refuta que esteja a ser estudada uma revisão do currículo. “O trabalho em curso não tem como meta a revisão do currículo, mas sim um trabalho aprofundado sobre a sua exequibilidade e flexibilização para potenciar melhores aprendizagens, aprofundamento de temas, trabalho experimental e projectos interdisciplinares”.
É por essa a razão, acrescenta, que se optou “por, nesta fase, convidar as associações profissionais, dada a sua competência e vocação nesta matéria”. Refere também que convidou estas associações a estabelecerem as parcerias que considerarem “relevantes”, o que poderá passar pelas sociedades científicas, como diz já ter sucedido nos casos de Biologia e Geologia.
O ministério já anunciou que pretende elencar quais são as “aprendizagens essenciais” por ano de escolaridade e de disciplina. Também tem referido que está a auscultar a comunidade escolar sobre o que deve ser um currículo para o século XXI, tendo ainda na semana passada convidado cerca de 100 estudantes a apresentar as suas propostas de mudança. O que estes fizeram, tendo a garantia de que serão tidas em conta nas mudanças curriculares que estão a ser analisadas.
Bases científicas
Esta diferença de tratamento é assinalada pelos responsáveis das sociedades que falaram com PÚBLICO. Já em Maio, depois de uma reunião na Gulbenkian sobre o currículo para a qual não foram convidadas, as sociedades de Química e Física tinham enviado uma carta a João Costa a solicitar a integração nos trabalhos em curso. Não receberam resposta. A Sociedade Portuguesa de Filosofia também solicitou uma reunião ao secretário de Estado, que se encontra pendente.
“Alertamos desde já para o perigo que representa conduzir uma reestruturação de conteúdos curriculares, mesmo de natureza restrita como esta, sem o apoio firme em bases científicas muito sólidas, que as associações de professores não estão vocacionadas para fornecer”, afirmam na carta ao ministro.
Nesta missiva lembram ainda que não existem associações de professores de Física e de Química e que são as sociedades as suas únicas representantes. Estando estas ausentes do processo quem estará em representação destas disciplinas? Não sabem. O ministério esclarece que esta missão está atribuída à equipa desta área na Direcção-Geral de Educação, “estando previsto o pedido de colaboração” às sociedades respectivas.
Programas entraram em vigor no ano passado
Jorge Buescu, da SPM, conta que a organização fez parte de um grupo de trabalho, em conjunto com a Associação de Professores de Matemática, para analisar a aplicação do novo programa da disciplina no 10.º ano. Este grupo concluiu o seu trabalho em Julho. A SPM foi depois convidada a integrar um outro grupo de trabalho para o qual designaram representantes, mas que nunca chegou a funcionar, acrescenta.
Os novos programas de Matemática, de Física e de Química do ensino secundário entraram em vigor apenas no ano passado. “Não percebo a pressa do ministério em reformar os programas”, comenta Conceição Abreu, da Sociedade Portuguesa de Física. Já António Lopes, da Sociedade Portuguesa de Filosofia, está na posição inversa: “O programa está em vigência há imenso tempo. Temos vindo a repetir que é necessário revê-lo e agora, quando decidem avançar, deixam-nos de fora”.
O ministério insiste que “não está em curso uma revisão dos programas” e que já informou a Sociedade Portuguesa de Filosofia de tal facto. Acrescenta também que na carta à Sociedade Portuguesa de Matemática que esta “terá toda a oportunidade de se pronunciar sobre o trabalho em curso”.