Detido pela polícia em directo: oportunidade para os media ou instrumentalização?

Jornalistas foram chamados para entrevistar Pedro Dias e estar presentes no momento de este se entregar à polícia. Especialistas falam na "excessiva mediatização" do caso e nas ligações entre o jornalismo e a justiça.

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ruf rui farinha/NFactos

Eram cerca das 17h quando o director-adjunto do Diário de Coimbra João Luís Campos e a jornalista da RTP Sandra Felgueiras saíram de Coimbra na terça-feira, com os advogados de Pedro Dias. Tinham como destino a casa em Arouca onde viriam a entrevistar o suspeito de vários crimes antes de ele se entregar à polícia na presença dos dois jornalistas. Ambos tinham sido contactados pela advogada de Pedro Dias, Mónica Quintela, para “algo importante relacionado com o caso” – que só viriam a saber ao certo o que era já chegados a Arouca.

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Eram cerca das 17h quando o director-adjunto do Diário de Coimbra João Luís Campos e a jornalista da RTP Sandra Felgueiras saíram de Coimbra na terça-feira, com os advogados de Pedro Dias. Tinham como destino a casa em Arouca onde viriam a entrevistar o suspeito de vários crimes antes de ele se entregar à polícia na presença dos dois jornalistas. Ambos tinham sido contactados pela advogada de Pedro Dias, Mónica Quintela, para “algo importante relacionado com o caso” – que só viriam a saber ao certo o que era já chegados a Arouca.

Mónica Quintela ligou à Polícia Judiciária (PJ) e menos de 20 minutos depois chegavam dois inspectores. “A minha sensação é que fomos chamados para garantir que tudo decorria tranquilamente”, diz convicto João Luís Campos. Não sente que foi instrumentalizado, foi porque "quis ir".

O motivo invocado pelos advogados para a presença dos jornalistas terá sido esse mesmo – de protecção de Pedro Dias – pelo receio de que a casa fosse cercada, assim que a advogada manifestasse a intenção de Pedro Dias se entregar. Mas o resultado, para Carla Cruz, socióloga da Comunicação e professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, foi um passo em frente na estratégia da defesa.

Esta quinta-feira o Diário de Coimbra publica a mesma entrevista a ser transmitida esta sexta-feira no programa de jornalismo de investigação Sexta às 9, de Sandra Felgueiras a quem o PÚBLICO solicitou uma entrevista que não foi possível até ao fecho desta edição. Alguns excertos já começaram a ser divulgados, revelando um homem que nega a autoria dos homicídios, levanta suspeitas sobre a GNR, dizendo que na manhã dos crimes, e logo após estes ocorreram, terá recebido uma chamada ameaçadora de uma militar da GNR, e que desde esse dia, não iniciou uma fuga mas sim uma “tentativa de sobrevivência”, perante a perseguição das forças policiais.

Risco de uma mediatização excessiva

A investigadora e académica Carla Cruz entende "o interesse público do ponto de vista noticioso" mesmo relativamente à segurança, perante a fuga e a sensação de impotência das forças policiais em prender o suspeito. "Pedro Dias não é uma pessoa qualquer e do ponto de vista dos órgãos de comunicação social, é difícil recusar a oportunidade de acompanhar em directo a entrega do homem mais procurado do país”, diz.

O que Carla Cruz contesta é o risco de uma mediatização excessiva criar uma promiscuidade entre os órgãos de comunicação social e a Justiça proporcionando “quase um reality-show” relacionado com uma das grandes áreas de "relevância social” que é a Justiça. A académica diz ainda que a forma como ele foi apresentado nos excertos das entrevistas que começaram a ser divulgados, “inocente” de todos os crimes de que é suspeito, como o próprio alega, e sem contraditório, cria um risco de utilização ou “instrumentalização do jornalista”. “Ele fez-se primeiro ouvir por um órgão de comunicação social. Antes de ser ouvido pela Polícia Judiciária, pelo juiz de instrução ou pelo procurador.” O mesmo aconteceu, em Agosto, com os filhos do embaixador do Iraque, suspeitos no caso da agressão em Ponte de Sor, que não foram ouvidos pela PJ, por beneficiarem de imunidade diplomática, mas foram entrevistados pela SIC onde afirmaram ter agido em legítima defesa.

É esta inversão na ordem dos procedimentos relativos a casos judiciais que Carla Cruz questiona como podendo influenciar o modo como a opinião pública e até os magistrados vêem os suspeitos.

O jornalismo e a Justiça

Para Marina Pimentel, membro do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas, que fala a título pessoal, "é mais uma utilização dos orgãos de comunicação social por pessoas ligadas a processos judiciais", sejam elas da defesa, como neste caso, ou da acusação e polícia. A SIC acompanhou a detenção de José Sócrates, no caso do ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo, "foram entregues interrogatórios judiciais com áudio e vídeo" e é cada vez mais frequente a convocação de jornalistas para rusgas policiais, lembra Marina Pimentel que não tem dúvidas em falar de "instrumentalização dos jornalistas".

Neste caso, houve a novidade de se tratar de um orgão de comunicação público – o que "merece reflexão, já que um órgão público tem deveres de serviço público que um órgão privado não tem". Outro facto novo e "mais positivo" foi o de um dos lados (a defesa) assumir publicamente ter convocado os jornalistas, garantindo alguma transparência".