Quando um cartão vermelho é bom sinal

Cada participante na Web Summit tem um cartão colorido que identifica a sua categoria. Os donos dos cartões encarnados são os mais apetecidos. E os mais furtivos. Um dia na vida da maior feira de tecnologia da Europa.

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Na Web Summit é fácil saber quem é quem. O segredo está no cartão pendurado ao pescoço de cada participante. E a cor desse cartão é ainda mais importante: verde para imprensa, amarelo para startup “alpha”, azul para público em geral, verde-escuro para startup “beta”, preto para startup “start” e encarnado para investidor.

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Na Web Summit é fácil saber quem é quem. O segredo está no cartão pendurado ao pescoço de cada participante. E a cor desse cartão é ainda mais importante: verde para imprensa, amarelo para startup “alpha”, azul para público em geral, verde-escuro para startup “beta”, preto para startup “start” e encarnado para investidor.

Nos quatro pavilhões da FIL e na Meo Arena há territórios exclusivos – só os verdes entram na zona de imprensa, tal como só os encarnados entram no lounge de investidores, situado num canto do pavilhão dois. Só entram os cartões vermelhos, mas todos vêem de fora o que se passa lá dentro. Gente sentada com portátil aberto. Mais homens do que mulheres.

Yash Kela, indiano, representa a Singularity Ventures, investe em tecnologia e trabalha entre Bombaim e Silicon Valley. Almoça em cinco minutos e é esse o tempo que dedica ao PÚBLICO para explicar o que é estar na pele de um investidor numa Web Summit. “É uma ideia falsa a de que um investidor chega com uma carteira cheia de dinheiro para investir. Enquanto investidor sou uma pequena parte da cadeia de valor. Procuro negócios interessantes ou dinheiro. Falo com empreendedores e gestores de fundos de pensões, que tem o dinheiro de que posso precisar para investir”, diz Yash.

Passar despercebido

Tal como um felino na savana quer passar despercebido perante a presa, também alguns destes investidores recusam revelar-se ao primeiro contacto. “Alguns penduram ao pescoço um cartão azul [reservado ao público em geral] ou viram o cartão encarnado ao contrário para não se denunciarem”, descreve Cynthia St.-Laurent, canadiana de Montreal que levou à Web Summit a sua empresa recém-criada, a We Grab It. É a sua primeira grande feira internacional.

A empresa é pequena, sete pessoas. Criou uma plataforma para pôr em contacto gente que quer despachar lixo que não é recolhido pelos serviços municipais, desde móveis a entulho de construção/demolição. “É uma mistura entre Uber e Tinder”, graceja Cynthia, porque liga pessoas como a app de encontros criada pela empresa de Sean Rad, e liga oferta e procura, como a plataforma de transportes fundada por Travis Kalanick. Balanço dos contactos com investidores em Lisboa? “Tivemos alguns, mas não será aqui que iremos encontrar o nosso financiamento”, resume Charles Tremblay, outro sócio desta startup.

O indiano Yash Kela aproveita estes encontros para “conhecer pessoas e ideias” ou “dar e receber conselhos”. Os negócios a sério, esses, serão feitos longe destes eventos.

“Os investidores ficam com uma ideia ou com uma empresa debaixo de olho, mas é o que sucede depois da Web Summit que vai ditar se há negócio ou não”, vinca Charles Tremblay. Quem pode, esforça-se por vender a sua ideia no seu stand, mas aí estão dezenas e dezenas. Mais importante, diz Charles, é alguém dar referências de uma startup a um investidor. “O que todos procuramos é que alguém fale de nós, que diga: ali está uma boa ideia de negócio e gente séria.”

No muro de cortiça que delimita o lounge dos investidores acumulam-se centenas de panfletos. Não há uma interacção que não termine com a troca de cartões de contacto. Até no maior congresso tecnológico da Europa, o “velho” papel é um veículo fundamental. Há uma app da Web Summit, que funciona bem e inclui um chat que permite contactar qualquer um dos 53 mil inscritos. Mas no meio da azáfama, as mensagens perdem-se.

Para os quatro portugueses que há um mês fundaram a Agri Marketplace, a Web Summit “supera as expectativas”. Fizeram muitos contactos com investidores estrangeiros.

“Chegámos cá com sete ou oito reuniões na agenda, mas já tivemos mais três solicitações de investidores”, afirma Filipe Núncio ao PÚBLICO. A empresa nasceu há um mês: pretende ligar produtores e compradores de produtos agrícolas, através de um plataforma global que permite fazer a transacção e incluir outras tarefas relevantes como verificação da qualidade, tratar de seguros, componentes contratuais ou financeiros e a própria logística do transporte do vendedor para o comprador.

E como é ir ao lounge dos investidores? “É como aquela história de perguntar por que se confessa ao padre os problemas de casamento se o padre nunca se casou. A verdade é que o padre já deve ter ouvido tanta confissão de caasados que deve saber mais sobre casamentos do que os próprios casados. E uma reunião com um investidor é a mesma coisa: eles vêem tantas propostas, ouvem tanta gente, conhecem tantos modelos de negócio” que acabam por ser os melhores “para avaliar”.

O tango entre investidores e startups é uma pequeníssima parte da Web Summit que, em alguns locais e momentos do dia, tem o seu quê de parque de animações – o stand da EDP tem um pequeno carrocel – e o seu quê de festival. Em cada palco, uma estrela diferente.

Num deles, dedicada às sociedades do futuro, o Bispo Paul Tighe fala sobre a Igreja Católica na era digital. O espaço está à pinha – um indício de que o dinheiro não é a única religião numa Web Summit. “O Vaticano é uma estrutura muito complexa, com muita gente a fazer coisas muito diferentes. Há pessoas bastante tecnológicas, mas também ainda temos aqueles que andam à procura do fax”. No fundo, é como uma empresa, que neste caso tem mais de 30 milhões de seguidores nas redes sociais e cuja app registou meio milhão de downloads nos dois primeiros dias. À semelhança dos business evangelists, que agora se tornaram moda, o evangelismo digital da Igreja Católica mantém o mesmo fim de sempre – “levar boas notícias” ao mundo.

Para a startup eFanswer, do italiano Marcello Mari, a boa notícia foi o Papa Franciso. Isto porque foi a última aquisição desta empresa fundada por este jornalista que se dedica a publicar “biografias sociais” de celebridades mundiais. São caras conhecidas de todos, sobretudo do mundo do futebol, mas o Papa funcionou como um “selo de qualidade” e despertou novos interesses.

Cada celebridade tem um perfil autorizado no site da eFanswercada fã pode fazer uma ou mais perguntas. As respostas são compiladas em livros e estes são vendidos nos canais habituais, incluindo por Internet. A indústria dos conteúdos parece ser pouco popular entre investidores da Web Summit. Marcello confirma: “a vida não está fácil”. Ainda assim, não perde a esperança de ver um cartão vermelho. Não os da bola, que significam uma expulsão, mas os da Web Summit, onde o cartão encarnado pode, afinal, ser um bom sinal.