Uma história bem comportada

Fica a sensação, em Onde Nem a Beladona Cresce, que é sempre demasiado bem comportado e ficou algo (as indiscrições, as fricções, os piores momentos, os mais desagradáveis) por contar.

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Um dos aspectos mais curiosos de Onde Nem a Beladona Cresce é o retrato que faz do jornalismo musical português nas últimas três décadas

“A história dos GNR confunde-se com a história do pop rock em Portugal”, lê-se na contracapa de GNR: Onde Nem a Beladona Cresce, a biografia oficial do Grupo Novo Rock, cujo lançamento coincide com a comemoração dos seus 35 anos. Se é obviamente uma frase promocional, dificilmente poderia ser mais justa. A par dos Xutos & Pontapés e dos UHF, a banda do Porto é uma das últimas resistentes do chamado boom do rock português do início dos anos 80. Gozou, nos primeiros tempos, da estima da crítica especializada, pela aproximação ao experimentalismo mais interessante que se fazia “lá fora” (a que acrescia um letrista excepcional, Rui Reininho, cuja star quality era também inegável), e, dez anos depois da sua fundação, de um impensável sucesso comercial no pós-25 de Abril (ainda dominado pela canção de intervenção), que culminaria nas enchentes no Coliseu dos Recreios e no Estádio de Alvalade, à época palco privilegiado dos artistas internacionais. Até a natural ressaca que costuma suceder-se a qualquer grande êxito conseguiu ultrapassar quando outros grupos não a souberam aguentar, caindo na irrelevância ou simplesmente implodindo (os Delfins e os Silence 4, respectivamente) , recuperando a respeitabilidade artística na passagem do milénio. Já sem a atenção de outrora, continua a tocar e a lançar álbuns (o último, Caixa Negra, é do ano passado).

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“A história dos GNR confunde-se com a história do pop rock em Portugal”, lê-se na contracapa de GNR: Onde Nem a Beladona Cresce, a biografia oficial do Grupo Novo Rock, cujo lançamento coincide com a comemoração dos seus 35 anos. Se é obviamente uma frase promocional, dificilmente poderia ser mais justa. A par dos Xutos & Pontapés e dos UHF, a banda do Porto é uma das últimas resistentes do chamado boom do rock português do início dos anos 80. Gozou, nos primeiros tempos, da estima da crítica especializada, pela aproximação ao experimentalismo mais interessante que se fazia “lá fora” (a que acrescia um letrista excepcional, Rui Reininho, cuja star quality era também inegável), e, dez anos depois da sua fundação, de um impensável sucesso comercial no pós-25 de Abril (ainda dominado pela canção de intervenção), que culminaria nas enchentes no Coliseu dos Recreios e no Estádio de Alvalade, à época palco privilegiado dos artistas internacionais. Até a natural ressaca que costuma suceder-se a qualquer grande êxito conseguiu ultrapassar quando outros grupos não a souberam aguentar, caindo na irrelevância ou simplesmente implodindo (os Delfins e os Silence 4, respectivamente) , recuperando a respeitabilidade artística na passagem do milénio. Já sem a atenção de outrora, continua a tocar e a lançar álbuns (o último, Caixa Negra, é do ano passado).

Hugo Torres, autor de Onde Nem a Beladona Cresce, transforma numa prosa escorreita, sem as hesitações e repetições da linguagem oral, os depoimentos dos três membros actuais (e de há muito) do grupo: Tóli César Machado, Jorge Romão e Rui Reininho. Esta é a sua versão dos acontecimentos acima descritos e muitos mais (o livro começa com pequenas biografias de cada um antes da entrada nos GNR e segue até à actualidade). Não se intrometem as vozes de Alexandre Soares e Vítor Rua, dois dos fundadores da banda. Principalmente, a deste último, que manteve, durante anos a fio, uma disputa legal com os GNR, pelo uso do nome (por pirraça, criaria os PSP). O conflito surge inevitavelmente, mas não tem o destaque que tinha em Afectivamente GNR, o primeiro livro escrito sobre o grupo em 1989. Nessa biografia não-oficial (César Machado renega-a veementemente), Luís Maio entrevistava um muito ácido Rua e um meio desinteressado Soares (tinha deixado a banda há meses), além de orientar as outras entrevistas para a temática das lutas internas. Não se coibia também de comentar as palavras dos outros (todos os testemunhos são pontuados por apartes seus, e, nos casos de César Machado e Romão, roçam a condescendência) e dar largas à sua opinião sobre a evolução do grupo. Afectivamente apanhava os GNR na transição de meninos queridos da imprensa musical a estrelas da rádio e televisão. Maio, como outros críticos musicais da altura, parecia não apreciar a mudança, desprezando os desvios pop dos portuenses.

De resto, um dos aspectos mais curiosos de Onde Nem a Beladona Cresce (o título é retirado de um verso de Ao Soldado Desconfiado do álbum Psicopátria) é o retrato que faz do jornalismo musical português nas últimas três décadas. Ao pegar nas reportagens e críticas que acompanharam a carreira da banda, Hugo Torres traz à lembrança o prestígio que este um dia teve. À maneira dos semanários ingleses (NME e Melody Maker), no Blitz, no Se7e e nos suplementos culturais dos jornais, instigava-se a next big thing, discutia-se até à exaustão as qualidades (ou falta delas) de um grupo, um concerto podia ditar a sua sorte para sempre, uma canção ser a prova inequívoca do seu comercialismo. Nas entrevistas, lançavam-se farpas, procurava-se provocar (o eloquente Reininho era perfeito neste papel); a resposta não tardaria (dali a umas duas semanas). Actualmente, os mecanismos são diferentes, um hype dura um dia, o backlash outro. Uma menção nas páginas de um jornal deixou de ser uma questão de vida ou de morte.

Esta necessidade de contextualização de Hugo Torres revela-se ainda em pequenos apanhados dos acontecimentos sociais e musicais mais importantes ao longo do tempo de existência dos GNR. Será a marca autoral mais visível numa obra em que se encontra assumidamente ao serviço dos retratados. Não há, por isso, lugar à opinião, à especulação, aos devaneios típicos de outros livros sobre músicos. O registo de Onde Nem a Beladona Cresce está bem mais próximo da reportagem do que da crítica. Era esse o propósito ser o oposto de Afectivamente GNR mas fica a sensação de que é sempre demasiado bem comportado e ficou algo (as indiscrições, as fricções, os piores momentos, os mais desagradáveis) por contar.