Porque nós deixámos
E é este o mundo que a geração dos teus pais te deixa. Desculpa. Desculpa, filha
Hoje, quando a minha filha me perguntou como é que era possível ter ganho o Trump, eu tive vergonha. Vergonha, porque a única resposta que me ocorreu foi: Porque nós deixámos. Deixámos sempre que nos recusámos a olhar para trás, para a história e com ela ver os erros do passado, quando fingimos não ver os sinais que se repetem. Deixámos sempre que nos encolhemos com medo a um canto, fosse com medo do Daesh, dos refugiados, da crise económica, dos imigrantes que achamos que nos roubam emprego, das mulheres que se atrevem a ser iguais aos homens, dos ciganos, dos pretos, dos brancos, dos homossexuais, dos diferentes, dos iguais, das vacinas, da ciência, do conhecimento.
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Hoje, quando a minha filha me perguntou como é que era possível ter ganho o Trump, eu tive vergonha. Vergonha, porque a única resposta que me ocorreu foi: Porque nós deixámos. Deixámos sempre que nos recusámos a olhar para trás, para a história e com ela ver os erros do passado, quando fingimos não ver os sinais que se repetem. Deixámos sempre que nos encolhemos com medo a um canto, fosse com medo do Daesh, dos refugiados, da crise económica, dos imigrantes que achamos que nos roubam emprego, das mulheres que se atrevem a ser iguais aos homens, dos ciganos, dos pretos, dos brancos, dos homossexuais, dos diferentes, dos iguais, das vacinas, da ciência, do conhecimento.
Deixámos porque temos pavor de perder as nossas vidinhas de polyester, costuradas a menos de um dólar por dia algures numa fábrica do Bangladesh. Vidinhas de pronto-a-vestir que compramos só porque toda a gente usa uma igual, não interessa que tenha má qualidade, que para o ano deita-se fora e compra-se outra nos saldos. Deixámos sempre que dissemos, ai coitadinhos, quando vimos na televisão famílias inteiras a morrerem no Mediterrâneo, a afogarem-se no próprio desespero, mas das quais nos esquecemos no segundo a seguir, ao entrarmos no carrinho bem atestado de gasolina, a mesma que lhes estoirou a vida e a esperança. Deixámos sempre que não levantámos o rabo do sofá para ir votar, porque “eles” são todos iguais, tudo farinha do mesmo saco. Saco onde por acaso nós também estamos enfiados até ao pescoço. Deixámos, porque a dormência é coisa que não dá trabalho, deixa andar, quem vier atrás que feche a porta.
O pior é que são os nossos filhos quem vão fechar a porta. É este o mundo que lhe vamos deixar. Mas isso não interessa, o que interessa é a merda do agora, do presente, da satisfação imediata dos egos ou raio que o parta. Deixámos porque não passamos de uma geração de mimados, que nem sequer percebe que o presente é uma coisa que já não existe quando acabarmos de ler esta frase. E olho para minha a filha a perguntar-me isto e só me ocorrer dizer: Porque deixámos. E é este o mundo que a geração dos teus pais te deixa. Desculpa. Desculpa, filha.