O triunfo dos porcos
O que é significativo é que Trump tenha ultrapassado os limites e que isso tenha funcionado a seu favor junto do eleitorado e que tenha sido valorizado pelos media.
No momento em que escrevo isto não se sabe ainda qual o resultado das eleições americanas. No entanto, seja qual for o resultado destas eleições, Trump ganhou.
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No momento em que escrevo isto não se sabe ainda qual o resultado das eleições americanas. No entanto, seja qual for o resultado destas eleições, Trump ganhou.
Mesmo que não tenha ganho as eleições e não ocupe a Casa Branca, Trump conseguiu conquistar um imenso terreno que ninguém imaginava que pudesse vir a conquistar.
Até Trump, havia limites que não se podiam ultrapassar no discurso político sem penalização pelo eleitorado. Era inconcebível que um candidato gozasse com uma pessoa por causa de uma deficiência física, por exemplo. Como era inconcebível que um candidato incitasse os seus apoiantes a agredir manifestantes ou que sugerisse que alguém atacasse fisicamente a sua adversária. Ou que convidasse uma potência estrangeira a piratar as comunicações de um rival. Mas Trump fez tudo isso reiteradamente e a sua campanha não parece ter sido afectada. Se Trump se tivesse desculpado, teria reconhecido a existência de limites no combate político, mas Trump não os reconhece e não os aceitou na campanha. Nem o limite da soberania nacional, nem o da lei, nem o da democracia, nem o da civilidade, nem o da tradição política, nem o da decência ou os limites éticos que excluem o racismo, a xenofobia, o sexismo ou a homofobia.
Trump fez algo ainda mais inesperado: na era da Internet e do excesso de informação e de debate, retirou o critério da verdade e da racionalidade do discurso político. É falso que a criminalidade e o desemprego esteja a crescer? É impossível construir o muro na fronteira mexicana ou expulsar 11 milhões de emigrantes ilegais? Que importa, se as pessoas gostam de o ouvir dizer isso? Não é que as pessoas que o apoiam pensem que isso é verdade. A questão é que isso lhes é indiferente, porque o discurso de Trump reproduz os seus sentimentos.
O que é significativo não é que Trump tenha ultrapassado todos esses limites. Muitos outros candidatos o fizeram antes. O que acontece é que esses pagaram o preço. O que é significativo é que Trump tenha ultrapassado os limites e que isso tenha funcionado a seu favor junto do eleitorado e que tenha sido valorizado pelos media.
Durante demasiado tempo, os media trataram Trump não com o nível de exigente escrutínio a que deviam submeter um candidato presidencial mas como um útil palhaço que lhes permitia subir as audiências. O peso que Trump conquistou é, assim, não só uma consequência da acção dos media para-fascistas que o apoiaram (como a Fox News) mas da deficiente acção de escrutínio e crítica exercida pelos media respeitáveis. Hoje, os americanos adoram Trump. Todos? Não. Mas os suficientes para alterar de forma decisiva a política americana. Tal como o Front National de Marine Le Pen fez em França.
Trump deu a ideias até aqui contidas por um cordão sanitário um inesperado direito de cidade e revitalizou a direita fascista, racista e xenófoba de uma forma inesperada. Trump federou e dinamizou, com a sua campanha, inúmeros grupos em vias de desagregação - como o partido nazi americano ou a Ku Klux Klan - que encontraram aí a plataforma pública comum que lhes faltava.
Até Trump, a política visava, com todos os seus erros e desvios, eleger o melhor. Para os apoiantes de Trump essa é uma ideia “elitista”. Trump não está preparado para ser Presidente? Os seus apoiantes também não e gostam de Trump porque ele é como eles. Ou pior, porque diz tudo aquilo que eles não se atrevem a dizer. Não pertence “ao sistema”. E gostam dele assim. Esse legado populista de Trump não irá ficar por aqui.
jvmalheiros@gmail.com