Mesmo depois do fecho das urnas, o impasse pode continuar
Hoje pode ainda não ser o dia das decisões nos EUA. Mesmo que seja, algumas fracturas vão ficar por sarar.
O tom fracturante das eleições presidenciais deste ano não abrandou com o fim da campanha, com curiosos a vaiarem Donald Trump no seu local de voto em Manhattan. Embora o incidente fosse de esperar – ele votou na escola primária P.S. 59 em Manhattan, um bastião liberal – também representou a polarização que pode contribuir para a continuação do impasse e dos problemas políticos, seja quem for o vencedor destas eleições.
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O tom fracturante das eleições presidenciais deste ano não abrandou com o fim da campanha, com curiosos a vaiarem Donald Trump no seu local de voto em Manhattan. Embora o incidente fosse de esperar – ele votou na escola primária P.S. 59 em Manhattan, um bastião liberal – também representou a polarização que pode contribuir para a continuação do impasse e dos problemas políticos, seja quem for o vencedor destas eleições.
Ainda não é possível perceber se Donald Trump ou Hillary Clinton vão poder declarar a vitória nesta terça-feira à noite. E mesmo que Hillary Clinton vença e os Democratas consigam reconquistar o Senado, será por uma margem pequena. Os Republicanos parecem preparados para manter o controlo da Câmara de Representantes, ainda que devam perder lugares.
O activista conservador Richard Viguerie disse numa entrevista que ele e outros activistas esperam que estas eleições concedam a Casa Branca ao Partido Republicano e que este mantenha o controlo do Congresso. Mas também prevê que, aconteça o que acontecer, as decisões do Partido Republicano após as eleições serão influenciadas por uma coligação de “conservadores constitucionais” e apoiantes de Donald Trump.
“Basicamente, os veteranos do Partido Republicano entraram em auto-destruição. Excluíram-se da futura liderança”, disse Richard Viguerie. “Caso Hillary Clinton ganhe, claro que espero que haja um bloqueio”. E o Representante Republicano Trent Franks do Arizona disse que o facto de os Democratas do Senado terem conseguido travar muita da legislação aprovada na Câmara aumentou a tensão entre os líderes do Partido Republicano e os membros em ascensão. “É a questão que assombra quem quer que esteja na liderança”, disse Trent Franks.
Mas o estratega Democrata Simon Roseberg, que está à frente do grupo de reflexão NDN, disse que os Republicanos podem ter um grande dissabor se travarem legislação, caso Hillary Clinton “vença de forma convincente e os Democratas conquistem o Senado”. “Se Paul Ryan e o líder Republicano que estiver no Senado tentarem travar legislação no próximo Congresso, da mesma maneira que o têm feito, ela vai dar cabo deles”, disse ele. “O país não vai tolerar esta situação”.
Alguns eleitores foram votar nesta terça-feira com a esperança de que as eleições possam mudar a dinâmica. Steve Glanz, de 42 anos, estava registado como Republicano e apoiou o governador John Kasich do Ohio nas primárias de Abril na Pensilvânia. Mas assim que entrou no seu local de voto na Filadélfia, o seu voto foi para Hillary Clinton e para a candidata Democrata ao Senado, Katie McGinty.
“Votei como se fosse um Democrata”, disse ele. “Temos de confirmar o juiz do Supremo Tribunal e se o Senado tiver a maioria do mesmo partido que o presidente será mais fácil fazê-lo. Se continuarem a deixar os juízes morrerem e o Supremo Tribunal ficar com menos do que cinco membros, não haverá capacidade para tomar decisões”.
No entanto, muitos Republicanos ainda esperam que o seu partido continue a atacar Hillary Clinton pelo caso dos e-mails e pelos possíveis conflitos de interesses com a sua posição na Fundação Clinton, o que poderá dificultar a sua relação com o Congresso se ela ganhar a presidência.
Lori Schwabenbauer, de 54 anos, votou em Chester County, na Pensilvânia, e viajou até Filadélfia para celebrar o seu aniversário. Ela é uma Republicana e o seu voto foi para o Senador Pat Toomey mas acha que Hillary Clinton vai ganhar. Quando lhe foi perguntado se gostaria que os Republicanos continuassem a atacar os escândalos de Hillary Clinton, caso ela vença, Lori respondeu afirmativamente. “Acho que ninguém está acima da lei”, disse ela, “mas não quero que ela vá para a prisão só porque não gosto dela”.
E Donald Trump, acompanhado pela sua esposa Melania e pela sua filha Ivanka quando votava a alguns quarteirões da Trump Tower, recusou dizer se aceitaria os resultados das eleições caso os média anunciem a vitória de Hillary Clinton. “Vamos ver o que acontece”, disse ele. Sobre os primeiros resultados, Trump respondeu “Parece-me tudo muito bem.” Numa conferência de imprensa com jornalistas nesta terça-feira, os funcionários da campanha de Trump e o Comité Nacional Republicano (CNR) afirmaram estar optimistas com uma vitória do candidato Republicano, graças em parte ao apoio no terreno dado pelo partido.
O CNR tem 5280 organizadores pagos e 2530 membros espalhados pelo país, um aumento considerável em relação aos 876 colaboradores que o partido e a campanha de Mitt Romney em 2012 tinham. A porta-voz da campanha de Hillary Clinton, Lily Adams, enviou um e-mail afirmando que “mais de 10 000 voluntários estavam prontos para baterem porta a porta pela manhã em estados decisivos, havendo mais milhares de voluntários a fazer trabalho pelo telefone”.
Ao início da tarde eleitoral, pessoas de todo o país exerciam o seu direito de voto formando longas filas para votar. Em North Hollywood, na Califórnia, alguns eleitores estão desde madrugada na fila. Num local de voto em Detroit, os eleitores esperaram até 90 minutos para votarem. Na Escola Preparatória Stonewall Middle em Manassas, na Virgínia, aproximadamente 170 pessoas formavam uma fila quando as urnas abriram às 6 da manhã.
“Sou um eleitor determinado”, disse Michael Barnes de 37 anos, um gestor de contas para a Freddie Mac que estava na fila às 5 da manhã e que apoiou a candidatura Democrata. “Estou aliviado por ter cumprido o meu dever”. Para Laurie Jarman, uma gerente administrativa em Fairfax County, foi a antipatia a Hillary Clinton que a convenceu a ir às urnas. “Também não sei se confio nele mas sinto que a Hillary Clinton será pior”, disse Laurie Jarman, de 46 anos, que chegou à Escola Preparatória de Stonewall Middle cerca de meia hora depois de Michael Barnes.
Mesmo tendo chegado cedo às urnas da capital da Virgínia, Richmond, não foi suficiente para que o Senador Tim Kaine, e candidato a vice-presidente de Hillary Clinton, garantisse ser o primeiro a votar. Ele, a sua esposa Anne Holton e os seus pais chegaram aproximadamente às 5h50 da manhã ao The Hermitage mas Minerva Turpin, o presidente de 89 anos da associação, chegou primeiro.
Após votar em Richmond, Tim Kaine afirmou que se ele e Hillary Clinton tiverem “o privilégio de vencer esta noite” irão trabalhar para sarar as profundas feridas do país que as eleições deste ano revelaram. “Por tudo o que dizemos, pela equipa que formámos e pelas políticas que promovemos, temos de mostrar que seremos um governo para todos e não somente para aqueles que votaram em nós”, disse ele.
Hillary Clinton e o seu marido, o antigo presidente Bill Clinton, votaram na Escola Primária Douglas G. Grafflin em Chappaqua, Nova Iorque, às 8 da manhã, apenas 4 horas depois de terem chegado de um comício na Carolina do Norte. Hillary Clinton, que pretende passar o resto do dia em casa antes de se dirigir para um hotel em Manhattan enquanto aguarda pelos resultados, foi recebida por cânticos em que se ouvia “Senhora Presidente!”.
“É um sentimento que me enche de humildade porque sei a responsabilidade que isto representa e há tanta gente a aguardar os resultados destas eleições e o que elas significam para o nosso país”, disse aos jornalistas quando lhe perguntaram como se sentia ao votar. “E farei o melhor que conseguir se tiver o privilégio de ser eleita”. Quando um jornalista lhe perguntou se pensou na sua mãe, Dorothy Rodham, que nasceu um ano antes de as mulheres terem direito a votar e que morreu em 2011, Hillary Clinton respondeu com um sorriso: “Sim, pensei nela”.
A centenas de quilómetros, o governador Democrata da Virgínia, Terry McAuliffe – um dos amigos mais próximos de Hillary Clinton e um dos que mais a ajudou nestas eleições – esperou durante uma hora na fila na Richmond City Library antes de votar às 08h20. “Sim, esperei uma hora mas foi a melhor hora da minha vida”, disse McAuliffe. “Pensem na história destas eleições. Acho que vamos eleger a primeira mulher na história dos Estados Unidos. Vamos ter o primeiro cidadão da Virgínia na candidatura à Casa Branca, Tim Kaine, em 100 anos. Consigo esperar uma hora.”
O carácter histórico e incomum destas eleições também se fez sentir longe dos centros de voto. Em Rochester, Nova Iorque, no local de enterro da sufragista Susan B. Anthony, que morreu em 1906 sem exercer o seu direito de voto, os funcionários do Cemitério Mount Hope alargaram o horário de funcionamento até às 21h00 pois havia muitas pessoas a colarem autocolantes na lápide dela, onde se podia ler “Eu votei”.
Entretanto, o antigo jogador de beisebol dos Red Sox, Curt Schiling – um apoiante de Trump que prometeu enfrentar a Senadora Democrata de Massachussets, Elizabeth Warren, em 2018 – apagou um tweet no qual aprovava uma t-shirt que sugeria o linchamento de jornalistas. Ao publicar uma foto da t-shirt – onde se podia ler “Corda. Árvore. Jornalista. Juntem as peças” – Schilling escreveu, “OK, isto é fantástico”. Posteriormente afirmou ter sido “uma piada” e “sarcasmo a 100%”.
Em Manassas, onde uma considerável parte da população é emigrante e onde também existe apoio a Trump, James Bower, de 72 anos, disse que os norte-americanos da classe média têm sido privados das suas liberdades pessoais sempre que um Democrata ocupou a Casa Branca. “Estes oito anos foram os piores oito anos da minha vida”, disse James Bowers. “Tornou-se numa ditadura e se Hillary Clinton vencer, a ditadura continuará.”
Mas Yesenia Luna, de 43 anos, filha de emigrantes de El Salvador, disse ter votado em Hillary Clinton porque “temos de ser a diferença para todos os outros hispânicos neste país”. Hillary Clinton encerrou a sua campanha na madrugada de terça-feira com um comício energético em Raleigh, acompanhada pelo seu marido e pela sua filha Chelsea - sinal de que esta têm sido eleições bastante renhidas. A cantora Lady Gaga cantou para os presentes que, em uníssono, levantaram as mãos quando lhes foi perguntado quem já tinha votado.
Em Grand Rapids, Michigan, Donald Trumpou subiu ao palco às 00h30 desta terça-feira – terminando assim a digressão por cinco estados que foi iniciada segunda-feira de manhã na Flórida e passou pela Carolina do Norte, Pensilvânia e New Hampshire. “Hoje é o nosso dia da independência. Hoje a classe média norte-americana vai fazer ouvir a sua voz”, afirmou perante uma multidão que se juntou num centro de convenções.
Muito antes de Donald Trump ter acabado de falar, grande parte dos presentes começou a sair. Nas suas palavras, o candidato Republicano disse que era “difícil acreditar” que o dia das eleições tinha chegado, refletindo sobre o seu percurso desde o início das primárias Republicanas e sobre os vários candidatos que enfrentou e derrotou.
Em Wall Street, os mercados capitalizaram o ímpeto de segunda-feira – o melhor dia desde Março – com a reafirmação da vitória de Hillary Clinton nas sondagens. O índice médio do Dow Jones Industrial encontrava-se a subir de forma sólida a meio do dia. O director do FBI, James B. Comey, afirmou no domingo que o FBI não encontrou indícios que permitissem alterar a sua decisão, tomada meses antes, de não acusar a antiga secretária de estado pela utilização de um servidor de e-mail privado. Hillary Clinton e Donald Trump continuam a ser o centro das atenções e os dois homens que dominaram o cenário político Democrata nas últimas duas décadas – Barack Obama e Bill Clinton – foram relegados para segundo plano.
Barack Obama gravou seis entrevistas para a rádio na terça-feira a partir da Casa Branca, falando em direto para ouvintes na Flórida, Michigan, Ohio e Pensilvânia. Na segunda-feira à tarde, Obama dirigiu-se às câmaras da Casa Branca: “Vão votar. As eleições estão nas vossas mãos”.
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post
Tradução de Francisco Ferreira