A viagem (inacabada) a Itália de Álvaro Siza

Álvaro Siza, Sacro abre esta quarta-feira no MAXXI, em Roma. É uma de três exposições que reconstituem a relação do arquitecto com um país para onde projectou muito, mas onde não construiu tanto.

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Álvaro Siza está de regresso a Itália, o país que visita com frequência e que frequentemente o chama para viagens, projectos e exposições desde há mais de quatro décadas. Mesmo se se trata de um país onde construiu pouco, numa relação que se poderia dizer inversamente proporcional às propostas que lhe foram feitas, Itália marcou de forma determinante a afirmação internacional do arquitecto português.

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Álvaro Siza está de regresso a Itália, o país que visita com frequência e que frequentemente o chama para viagens, projectos e exposições desde há mais de quatro décadas. Mesmo se se trata de um país onde construiu pouco, numa relação que se poderia dizer inversamente proporcional às propostas que lhe foram feitas, Itália marcou de forma determinante a afirmação internacional do arquitecto português.

“A Itália é muito complicada. Fiz mais de 20 projectos, mas quase não concluí nenhum”, diz Siza ao PÚBLICO no seu atelier no Porto. “Mas sem dúvida que a Itália foi importante para a minha carreira”, acrescenta, citando como momento inaugural o artigo que Vittorio Gregotti lhe dedicou, em 1972, na revista Controspazio – o mesmo arquitecto, quatro anos depois, convidá-lo-ia a participar na Bienal de Veneza, na exposição colectiva Europa-América, Centro Histórico-Subúrbio.

Este deve-e-haver da relação de Siza com Itália pode agora ser avaliado em Roma, no âmbito de uma operação que tem como âncora a exposição Álvaro Siza, Sacro, no MAXXI – Museu Nacional da Arte do Século XXI. A inauguração oficial aconteceu há já duas semanas, com três dias (26 a 28 de Outubro) intensos de conversas com arquitectos italianos amigos e encontros muito participados com estudantes e outros arquitectos, entre o icónico museu desenhado pela recém-desaparecida Zaha Hadid (1950-2016) e a Academia Nacional e a Igreja de San Luca. Mas é esta quarta-feira que abre ao público Álvaro Siza, Sacro, a exposição-instalação em que o autor do Museu de Serralves dialoga com o edifício de Hadid, e que vai ficar patente até 26 de Março do próximo ano.

Simultaneamente, a Academia Nacional de San Luca apresenta, até 25 de Fevereiro, as exposições O Grande Tour. Álvaro Siza em Itália, 1976-2016 e A Medida do Ocidente. Álvaro Siza e Giovanni Chiaramonte. A primeira documenta os 23 projectos que o arquitecto fez para Itália nas últimas quatro décadas; a segunda reúne 60 desenhos de viagem e 40 fotografias. Ambas têm curadoria de Roberto Cremascoli, que é também o coordenador científico de Sacro.

“Em Itália, há uma grande paixão por Siza; quando ele chega, é sempre recebido com o grande respeito que se tem por um mestre, em quem toda a gente quer tocar”, diz Cremascoli, que foi o moderador do encontro do arquitecto português com dois seus colegas e amigos italianos de há muitos anos, Umberto Riva e Francesco Venezia, no dia 28, numa Igreja de San Luca “completamente cheia e com muita gente à porta”.

“Siza foi, nos anos 80, um dos primeiros arquitectos vistos em Itália como exemplo da relação da arquitectura com o sítio, da necessidade de conhecer a história do lugar e de dialogar com as pessoas”, acrescenta Cremascoli, que começou a trabalhar com o arquitecto português em 1991, ano em que foi recebido no seu atelier no Porto como estudante-estagiário – e é também o co-comissário, com Nuno Grande, do Pavilhão de Portugal, Neighbourhood – When Alvaro meets Aldo, na Bienal de Veneza, que encerra no próximo dia 27.

Dez projectos sagrados e profanos

A exposição-instalação no MAXXI ocupa a galeria 2bis. “Decidi montar a exposição não tocando em nada da sala do MAXXI”, diz Siza, que assim quis respeitar a arquitectura de Zaha Hadid. Sacro reúne dez projectos, divididos por edifícios religiosos e seculares: a igreja em Marco de Canaveses, a Capela de Santo Ovídeo, em Lousada, a igreja de Saint-Jacques-de-la-Lande, em Rennes (França), em construção; e, em Itália, a reconstrução da igreja matriz de Salemi e o projecto não-realizado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Roma.

Em paralelo, são documentados, em maquetas, desenhos e fotografias (de Fernando Guerra, José Manuel Rodrigues, Luís Ferreira Alves, Leonardo Finotti e Mimmo Jodice), a Piscina das Marés (Leça da Palmeira), o Pavilhão de Portugal (Lisboa), a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, o Museu Iberé Camargo, em Porto Alegre (Brasil), e a estação do Metro de Nápoles.

Além destes projectos, há desenhos, painéis e alfaias religiosas, como os paramentos que Siza desenhou para o papa Francisco, ou o ovo de prata para Bento XVI.

A exposição abre com uma grande fotografia da casa das máquinas do Museu de Serralves, seguindo-se a imagem de uma obra acabada, o museu Mimesis, na Coreia do Sul. “Quis mostrar que a arquitectura tem muita complexidade, mas que a conquista da arquitectura é a simplicidade, a tranquilidade”, diz Siza. “Há quem faça arquitectura baseado na exposição dessa grande complexidade, do esforço, da estrutura. O meu objectivo é o contrário, é não exibir; interessa-me o conforto, a casa-abrigo”, justifica.

"Uma maldadezinha"

Um projecto com um destaque maior no conjunto da instalação é a maqueta feita para a Igreja do Rosário, em Roma. “Foi uma ‘maldadezinha’”, admite o arquitecto, confessando ser esse o projecto que mais lamenta não ter concretizado em Itália. “Foi, talvez, a igreja onde mais investi e pela qual tive maior entusiasmo. Tratava-se de fazer uma igreja em… Roma."

Em contrapartida, mostra-se satisfeito com o andamento da construção da igreja em Rennes, na Bretanha, que deverá ficar terminada no próximo ano.

No conjunto dos 23 projectos já feitos para Itália, Siza só viu efectivamente concluídos quatro: a reconstrução da igreja matriz e da praça Alicia, em Salemi, após o sismo que em 1968 afectou esta região do país; o Museu de Arte Contemporânea MADRE, em Nápoles; e o pavilhão efémero para os jardins da Bienal de Veneza de 2012. Em curso, estão actualmente o complexo de habitação social na ilha da Giudecca, em Veneza – que é o tema da presença portuguesa na bienal de arquitectura deste ano –, uma estação para o metro de Nápoles; um jardim e parque em Lecce (com Carlos Castanheira); e edifícios de habitação em Gallarate (com Roberto Cremascoli).

As razões para a baixa taxa de concretização dos seus projectos, além da crise económica, Siza vê-as na especificidade e na história do país. E dá o exemplo do metro de Nápoles, cujo projecto remonta já a 2003. “Com as escavações, estão sempre a aparecer surpresas; na estação surgiram vestígios da ocupação espanhola, depois da romana, depois da normanda, depois da grega… É sempre difícil imaginar o que vem a seguir”, diz o arquitecto, lembrando a pressão que as autoridades responsáveis pela salvaguarda do património sempre fazem para a preservação desses testemunhos arqueológicos.

Mas o balanço que Siza faz da sua relação com Itália é sempre positivo. “Os momentos de grande entusiasmo ao fazer todos esses projectos, os contactos estabelecidos, os amigos encontrados em diferentes pontos, as exposições, além de poder acompanhar a intensa vida cultural em Itália, evidentemente foram momentos  de grande prazer – a palavra é essa –, e também de aprendizagem muito estimulante”, diz.

E a confirmar que não desiste de trabalhar para aquele país, mostra ao PÚBLICO a maqueta do mais recente projecto que lhe foi pedido para Roma: um pavilhão no terraço da Igreja de San Luca, com vista para o Fórum Romano, para acolher o Prémio Presidente da República para as Artes, que a Presidência italiana atribui anual e alternadamente, sob nomeação da Academia, a trabalhos de arquitectura, pintura e escultura.

Como Siza disse no final do ano passado em Rennes, ao apresentar o projecto da igreja de Saint-Jacques-de-la-Lande, respondendo a um ouvinte que lhe perguntou se era crente: “Acredito na arquitectura."