A ironia de votar em Hillary Clinton num sítio chamado Trump Place

"É a mensagem perfeita: poder ir a um edifício que infelizmente tem o nome dele e passar a minha mensagem", diz Heidy Press, filha de colombianos.

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O nome oficial da secção de voto na Riverside Boulevard, em Nova Iorque, à beira do Rio Hudson e com Nova Jérsia já ali do outro lado, incomoda muitos residentes e eleitores nesta cidade em que os democratas esmagam os republicanos em número: Trump Place. O edifício de apartamentos já não pertence ao magnata, mas apesar dos protestos não há meio de o nome sair dali.

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O nome oficial da secção de voto na Riverside Boulevard, em Nova Iorque, à beira do Rio Hudson e com Nova Jérsia já ali do outro lado, incomoda muitos residentes e eleitores nesta cidade em que os democratas esmagam os republicanos em número: Trump Place. O edifício de apartamentos já não pertence ao magnata, mas apesar dos protestos não há meio de o nome sair dali.

Nos cartazes colados na parede do edifício lê-se “Vote aqui”, com uma setinha a apontar para a esquerda, porque as urnas não estão na entrada, onde o recepcionista conversa com um polícia e um segurança enquanto vai abrindo e fechando as portas.

Mas a morada oficial da secção de voto é esta, tal como está no site oficial da Comissão de Eleições da Cidade de Nova Iorque: Trump Place, 180 Riverside Boulevard.

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Heidy Press acabou de chegar para votar e há muito que sabe em quem: “Na senhora Hillary Clinton, sem nenhuma dúvida.” De óculos escuros porque o sol hoje brilha e o frio dos últimos dias foi passear para outro lado, Heidy não deixa de se sentir “feliz” por ter de votar no Trump Place.

“Votar num sítio que tem o nome dele é irónico. Mas é uma boa ironia. É a mensagem perfeita: poder ir a um edifício que infelizmente tem o nome dele e passar a minha mensagem”, diz com um sorriso que cheira a vingança.

Apesar do nome e do sotaque nova-iorquino, Heidy Press é filha de colombianos, e sente-se obrigada a votar por todos os latinos e hispânicos a quem Donald Trump chamou violadores ou assassinos. Vive aqui na Riverside Boulevard e tem uma empregada equatoriana que não pode votar: “Hoje saí de casa e disse-lhe que vou votar por ela.”

“Vivo aqui, mas não no edifício que tem o nome dele. Isso sim, podia incomodar-me. Viver aqui representa um dilema moral, mas votar aqui é uma coisa maravilhosa. Para quem é apoiante do Trump, é fantástico, mas para quem não o apoia, não há maior alegria do que entrar num dos seus edifícios e votar na opositora dele”, reforça com mais um enorme sorriso que diz toma e embrulha.

Mas o sorriso desaparece quando começa a falar sobre o resultado desta noite. Quer tanto que Hillary Clinton ganhe que até organizou uma festa em casa para ver o fogo de artifício anunciado pela campanha da candidata - do seu apartamento podia ver isso tudo, mas a festa foi desconvocada porque afinal já não vai haver fogo de artifício. “Não sei porquê, mas anunciaram que foi cancelado.”

“Não estou muito confiante, a corrida está muito renhida. Acho que nenhum dos lados pode declarar vitória e dizer que as coisas estão arrumadas até ao último voto”, diz Heidy. E depois do resultado, seja ele qual for, esta apoiante de Hillary Clinton acredita que o clima de crispação vai manter-se por muito tempo.

“Ao contrário de outras eleições, desta vez a camada superficial caiu, muitas máscaras caíram. Se temos um colega que andou um ano inteiro a repetir declarações intolerantes e racistas, algo a que nunca tínhamos assistido, achas que vamos todos voltar a beber um capuccino no dia seguinte às eleições? Eu acho que não. É como numa relação: quanto mais coisas se dizem, mais difícil se torna a reaproximação.”

Lá dentro, na secção de voto, tão pequena que quase não cabem todos, eleitores e espaços para votar em segredo, a coordenadora Ashley Smith fala baixinho, “para não influenciar ninguém”. Mas também tem direito à sua opinião, se do outro lado estiver um jornalista português.

“Só quero que isto acabe. Nunca em toda a minha vida adulta vi uma campanha como esta. Ele diz tudo, é uma pessoa má, e mesmo assim querem dar-lhes os códigos para a bomba? A sério? A sério? Ele é uma pessoa má. É terrível e diz coisas terríveis sobre a Hillary Clinton”, segreda Ashley, encostada a uma parede para não incomodar ninguém. Mas o espaço é tão pequeno que não incomodar alguém é uma tarefa impossível - mesmo ao lado, a um metro, uma eleitora levanta a cabeça do cubículo que lhe foi destinado e faz-lhe uma pergunta.

Tudo esclarecido, voltamos à conversa, só para explicar como se vota aqui: “Dão o último nome, recebem o boletim, votam, e depois põem o boletim num scanner e fica tudo registado. Aqui em Nova Iorque não há voto electrónico nem período de votação antecipada. No dia das eleições chega-se à secção de voto e preenche-se a bolinha correspondente aos candidatos com uma caneta. E eu prefiro, assim, tal como está”, diz Ashley.

Mais logo, a partir das seis da tarde - porque Ashley anda nisto “há muitos anos” e já conhece as pessoas - a fila que houve de manhã vai regressar. “Muitos vêm à última hora. Vai ser pior do que de manhã. De manhã as pessoas estão mais calmas, à noite vêm mais stressadas” depois de um dia de trabalho, porque aqui o dia de eleições não é feriado.