Socialistas e extrema-direita boicotam lei anti-refugiados de Viktor Orbán

Revisão constitucional não passou no Parlamento húngaro porque Jobbik quer acabar com vistos gold, que considera que pode deixar entrar "terroristas ricos" no país.

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O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, viu a sua proposta reprovada no Parlamento AFP/ATTILA KISBENEDEK

Viktor Orbán sofreu um raro revés no Parlamento húngaro: a proposta do Governo para rejeitar o programa de quotas para relocalização de refugiados da União Europeia através de emendas à Constituição foi chumbada. A extrema-direita e os socialistas juntaram-se para boicotar os planos do primeiro-ministro.

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Viktor Orbán sofreu um raro revés no Parlamento húngaro: a proposta do Governo para rejeitar o programa de quotas para relocalização de refugiados da União Europeia através de emendas à Constituição foi chumbada. A extrema-direita e os socialistas juntaram-se para boicotar os planos do primeiro-ministro.

Esta nova emenda à Constituição – que já foi alterada seis vezes desde que Orbán chegou ao poder, em 2010, e fez aprovar uma nova lei fundamental – teve apenas 131 votos no Parlamento de 199 deputados, dois a menos do que os necessários para passar. Houve três votos contra e os restantes eleitos abstiveram-se.

“Emendar a Constituição dar-nos-ia mais força na luta contra as quotas. Mas é óbvio que o Governo tem a obrigação de enfrentar as quotas migratórias e vamos continuar a fazê-lo”, assegurou ao Financial Times o ministro dos Negócios Estrangeiros, Peter Szijjarto.

O Fidesz, o partido nacionalista do Governo, perdeu a supermaioria de dois terços de que dispunha em Fevereiro, ao ser derrotado nas eleições para preencher o lugar de deputado vagado pelo comissário europeu húngaro. Por isso, agora precisava mesmo do apoio do Jobbik, o partido de extrema-direita anti-semita. E não contava com esta nega de uma formação que é também virulentamente anti-imigração.

A proposta de revisão constitucional apresentada pelo Fidesz pretendia tornar quase impossível que estrangeiros se candidatassem a viver na Hungria, tendo como alvo o acolhimento de refugiados e o programa de redistribuição da União Europeia para acolher 160 mil refugiados – muito aquém do afluxo de 1,4 milhões que chegaram à Europa só em 2015.

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“Traidor é aquele que deixa entrar os terroristas a troco de dinheiro”, diz a faixa levada para o Parlamento pelo Jobbik, dirigida ao Governo ATTILA KISBENEDEK/AFP

Este esquema prevê que a Hungria receba 1294 refugiados nos próximos anos, para cumprir o objectivo de acolher na UE 160 mil refugiados. No entanto, este esquema concebido pela Comissão Europeia – que tem como premissa que os Estados se voluntariam para receber os refugiados e nunca que os países são obrigados a aceitar estas quotas – não tem funcionado. Mais de um ano depois, só cerca de 5600 pessoas – de um total de 160 mil – foram recolocadas.

O Jobbik chumbou a emenda de Orbán porque pretendia que o Governo fizesse acompanhar o fim do programa de acolhimento de refugiados – medida com a qual concorda – da abolição do regime de autorizações de residência. Mediante um investimento de pelo menos 300 mil euros, investidores não europeus têm autorizações de residência na Hungria de pelo menos cinco anos – é um sistema semelhante aos vistos gold em Portugal.

Cerca de dez mil chineses beneficiaram já deste esquema para se mudarem para a Hungria, bem como investidores ricos da Rússia e do Médio Oriente, salienta a Reuters. A organização Transparência Internacional chama a este sistema, introduzido há três anos, “o trilho da corrupção de alto nível na Hungria”, recorda a Associated Press.

Só que o Jobbik, um partido anti-semita com ideias que parecem saídas dos tempos da II Guerra, quando os judeus eram perseguidos e enviados para os campos de concentração, considera que esta medida abre portas a um tipo de imigração que pode beneficiar “terroristas ricos”. Refere o caso do empresário saudita Ghaith Pharaon, procurado pelo FBI americano. O Governo da Hungria nega que alguém com esse nome tenha residência no país, embora tenha pedido um visto numa embaixada húngara.

“Quando o Fidesz acabar com o programa de vistos dourados, o Jobbik está pronto a apoiar a emenda constitucional, dentro de 24 horas”, disse o líder do partido, Gabor Vorna.

Orbán apelidou a posição do Jobbik de “chantagem”. Em resposta, deputados do Jobbik levaram uma bandeira no Parlamento onde, de acordo com a AFP, se lia: “Traidor é aquele que deixa entrar os terroristas a troco de dinheiro.”

A proposta de revisão constitucional é a mais recente tentativa do executivo húngaro para travar o programa de redistribuição de refugiados. No início de Outubro, o Governo organizou um referendo sobre o acolhimento de requerentes de asilo, acompanhado de uma campanha em larga escala – a favor do “não”. A participação ficou abaixo dos 50% do eleitorado, mas 95% dos eleitores que votaram, mais de três milhões de pessoas – em 8,2 milhões de eleitores inscritos –, manifestaram-se contra o acolhimento de refugiados. Orbán sustentou-se na necessidade de responder a estes três milhões de pessoas para tentar mudar a Constituição.

A Hungria tem liderado a contestação ao programa europeu de distribuição de refugiados pelos vários Estados-membro da UE. Para conter o fluxo de imigrantes, o Governo ordenou a construção de uma vedação ao longo da fronteira com a Sérvia e com a Croácia e várias organizações de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional, têm denunciado que a Hungria segue uma política deliberada de maus tratos aos refugiados.