Correia da Silva, o (mal-amado) arquitecto da Câmara do Porto
Domingos Tavares lança esta terça-feira o seu livro Correia da Silva: Arquitecto Municipal. É o resultado de uma investigação que pretende mostrar a relevância da obra deste arquitecto para além dos paços do concelho portuenses.
Demorou quase quatro décadas a ser acabado, chamaram-lhe “pastelão” e “aberração arquitectónica”, esteve quase a ser demolido, tendo acabado por ver apenas sacrificado um piso da torre, mas hoje é visto como um dos ex-libris do Porto e uma referência fundamental na principal avenida da cidade.
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Demorou quase quatro décadas a ser acabado, chamaram-lhe “pastelão” e “aberração arquitectónica”, esteve quase a ser demolido, tendo acabado por ver apenas sacrificado um piso da torre, mas hoje é visto como um dos ex-libris do Porto e uma referência fundamental na principal avenida da cidade.
Falamos do edifício dos paços do concelho, um projecto de António Correia da Silva (1880-1963) e a mais marcante obra deste arquitecto, que estudou em Paris mas que depois praticamente circunscreveu a actividade à sua cidade-natal, onde a sua carteira de projectos está ainda por conhecer na sua verdadeira extensão.
O livro que Domingos Tavares apresenta esta terça-feira no Porto, no Cinema Passos Manuel, às 21h30 – Correia da Silva: Arquitecto Municipal (Dafne Editora) –, é um passo no sentido de desvendar a real dimensão da carreira do arquitecto do edifício da Câmara do Porto.
“Homem discreto, de comportamento sereno e seguras convicções, António Correia da Silva foi um típico portuense, criador de arquitecturas emblemáticas da cidade, mas a sua acção profissional nunca foi devidamente valorizada”, escreve o arquitecto e autor do livro. Ao PÚBLICO, Domingos Tavares – que é o comissário da comemoração do centenário da Avenida dos Aliados, actualmente a decorrer – explica que se interessou por estudar a obra de Correia da Silva mais a fundo na sequência da investigação que realizou sobre as casas dos emigrantes torna-viagem, e que deu também duas publicações da Dafne: Casas de Brasileiro - Erudito e Popular na Arquitectura dos Torna-Viagem e Palacete Marques Gomes (ambos de 2015).
“A certa altura, com os documentos que consultei, pareceu-me que o palacete Marques Gomes, em Gaia, podia ter sido feito pelo jovem Correia da Silva; mas continua a ser apenas uma hipótese”, diz o autor.
Se, para lá dos paços do concelho, a assinatura de Correia da Silva está documentada nos projectos do Mercado do Bolhão e do Matadouro, em alguns edifícios da Avenida dos Aliados, nas escolas primárias da Praça da Alegria e da Foz do Douro, ou ainda no quartel dos Bombeiros da Foz (Rua de Diu), Tavares acha que haverá muitas outras obras com a sua mão, mas que carecem ainda de confirmação – consequência do facto de, à época, só o construtor civil ser obrigado a assinar e a responsabilizar-se pelas construções.
O autor de Correia da Silva: Arquitecto Municipal nota que existe um vazio de informação sobre o período 1903-11, entre o regresso do arquitecto de Paris e o seu ingresso na câmara como arquitecto municipal. “O que é que ele andou a fazer durante estes anos?” – pergunta-se Tavares, citando a referência que lhe é feita, nos jornais da cidade, como um de quatro “excelentes arquitectos profissionais no Porto”, quando, em 1909, foi aberto um concurso público para a reconstrução do Teatro São João. O que levará a admitir que ele teria obra reconhecida na cidade.
Quatro décadas de espera
Mas é o edifício da câmara que ficou a marcar a carreira (e o destino) de Correia da Silva. O projecto foi aprovado em 1916, integrado no plano de expansão do centro cívico da cidade elaborado por Barry Parker. Depois de feitas alterações à ideia inicial do arquitecto inglês, que não queria que o edifício ocultasse a Igreja da Trindade, a obra de Correia da Silva começou a ser construída em 1920. As convulsões sociais e políticas no país verificadas nos anos seguintes motivaram o atraso da construção, cuja estrutura em pedra só ficaria concluída no final dos anos 30. Nesta década, a contestação ao edifício levou mesmo vereadores da câmara a sugerir a sua demolição. Tratava-se de um projecto feito ainda segunda a estética Beaux-Arts, que o arquitecto bebera em Paris, mas estávamos agora em pleno movimento modernista.
“Os tempos mudaram, e aquilo era um edifício do antigamente”, nota Domingos Tavares, explicando que caberia depois a Carlos Ramos (1897-1969) – o arquitecto que se tornaria a figura marcante na criação da Escola do Porto – assumir a actualização possível e a conclusão do edifício. Desta intervenção, ficaram três alterações significativas: a supressão – “talvez por pressão política e da Igreja”, admite Tavares – de um piso da torre (que assim deixou de ser mais alta do que a Torre dos Clérigos); a retirada de quatro nichos na fachada; e a substituição da escadaria por uma rampa para acesso automóvel.
“Apesar de tudo, a câmara é hoje um monumento; apresenta uma estética algo híbrida, mas que denota uma continuidade entre a ideia original e a evolução da cultura arquitectónica”, diz Domingos Tavares, realçando também que se trata de uma arquitectura que respeita a vida urbana.