Refugiados na Grécia: “Preferia estar em coma do que estar aqui”
“Há uma falsa sensação de que a situação na Grécia está controlada”, diz a Amnistia Internacional. Mas está prestes a explodir: há tantas dificuldades que alguns sírios já estão a voltar a casa.
Uma mulher que está na ilha grega de Lesbos diz que só quer ficar em coma até poder seguir para a Alemanha, onde está o marido. Uma refugiada num campo perto de Salónica (Norte) conta como há oito meses vive com duas mudas de roupa, que já passaram por Inverno, Primavera e Verão. A Grécia é “uma sala de espera gigante” para quase 60 mil pessoas, é uma “panela de pressão”. E a pressão é tão grande que há já quem esteja a regressar ao seu país de origem: pessoas que estão a fazer, de novo, a viagem mas ao contrário.
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Uma mulher que está na ilha grega de Lesbos diz que só quer ficar em coma até poder seguir para a Alemanha, onde está o marido. Uma refugiada num campo perto de Salónica (Norte) conta como há oito meses vive com duas mudas de roupa, que já passaram por Inverno, Primavera e Verão. A Grécia é “uma sala de espera gigante” para quase 60 mil pessoas, é uma “panela de pressão”. E a pressão é tão grande que há já quem esteja a regressar ao seu país de origem: pessoas que estão a fazer, de novo, a viagem mas ao contrário.
A situação não tem comparação com a do Verão passado, com barcos de borracha apinhados de gente, afogamentos, massas de pessoas em frente a fronteiras: imagens dramáticas. “Agora é tudo menos chocante, os grandes armazéns com tendas onde vivem os refugiados não parecem tão maus”, diz o director da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen, por telefone, ao PÚBLICO. “Há uma falsa sensação de que tudo está sob controlo, quando tudo está prestes a explodir”, diz.
O que não se vê são os problemas diários nos campos. Por vezes há protestos violentos, porque as pessoas não aguentam mais dias e dias vazios, sem informação, com boatos de que vão ser enviadas de volta para a Turquia, sem privacidade, com perigos à espreita, seja as mulheres que se organizam para irem em grupos à casa de banho, ou os rapazes tentados por grupos criminosos para consumir ou traficar droga.
“Os problemas podem ir de ter um quarto para dormir que não tem porta, viver numa tenda que fica com o chão molhado, ou ter comida muito pouco adequada”, diz ao PÚBLICO o director de comunicação do ACNUR na Grécia, Roland Schönbauer, que visita regularmente os campos. Com o Inverno a aproximar-se, a falta de condições tornar-se-á insuportável.
As ilhas são o pior sítio para estar. Se na Grécia continental há pessoas em locais que deveriam servir para curtas estadias durante meses, nas ilhas as pessoas estão em campos que nem para um dia seriam aceitáveis. Nesta semana, faltou água no campo de Moria, na ilha de Lesbos. Não demorou muito até que as casas de banho ficassem impossíveis de utilizar.
Como é possível isto ser a Europa?
“Pensava que isto era Europa”, dizia uma refugiada. “Percebo que haja pessoas a viver em tendas no Líbano, na Jordânia. Mas aqui?”, dizia Ayhan, uma síria de 28 anos, à revista norte-americana The Nation. Há tendas em antigos aeroportos, orfanatos abandonados, instalações militares. Tudo longe dos centros das cidades onde decorre toda a parte burocrática.
A situação é mais precária ainda quando muitas pessoas chegaram em Fevereiro esperando conseguir ainda passar pela rota dos Balcãs até ao centro da Europa, para se depararem com as fronteiras fechadas. Daí que a refugiada Hozan só tenha as duas mudas de roupa. “O que estou a usar agora foi o que usava quando passei, de barco, da Turquia para aqui”, diz.
A mulher no campo de Moria, em Lesbos, que disse que preferia estar em coma estava a falar com uma psicóloga dos Médicos Sem Fronteiras, Pina Deiana. Trata-se de uma refugiada curda da Síria, na Grécia desde Março, com os seus quatro filhos: dois rapazes (um de 18 e outro de 16 anos), uma filha de 21, que é casada e tem um bebé recém-nascido, e outra de 13 anos, diz Deiana, numa conversa por e-mail.
O marido já está na Alemanha, fez a viagem alguns meses antes, quando ainda era possível chegar ao centro da Europa. Estão a pedir reunificação da família, mas o filho de 18 anos e a filha de 21 não se podem juntar a eles porque não são menores.
A mãe não está a ver qualquer saída, e a situação na Grécia complica-se com a crescente agressividade dos filhos, conta a psicóloga. A falta de perspectiva é o que a leva a acreditar que a única solução é tomar comprimidos e dormir até que haja um desenvolvimento. A psicóloga sublinha que as pessoas precisam de “saber o que esperar no futuro próximo” e de ter, não muito longínqua, a possibilidade de sair para um país em que possam trabalhar e pôr os filhos a estudar.
Saber o nome do país
O pior é a falta de perspectivas, concorda o responsável do ACNUR. “Alguns refugiados querem saber apenas uma coisa: o nome do país para onde irão”, diz Schönbauer. Sem isso, não podem começar sequer a pensar no que vão fazer. Ter uma ideia de como será a vida, o clima, a cultura, aprender a língua.
“As pessoas precisam de saber o que lhes vai acontecer”, repete Schönbauer. “Quem quer que tenha vindo para cá num barco viu o seu sonho implodir.” O sonho é de começar uma vida nova, fosse para fugir da guerra, fosse por questões económicas: precisam sobretudo de uma decisão sobre a sua vida, sim ou não, se seguem para a frente ou se regressam.
Enquanto continuam a chegar pessoas vindas da Turquia para as ilhas gregas, começa a registar-se um movimento ao contrário: pessoas que decidem regressar, muitas usando a mesma rota, perigosa, que usaram para chegar, por mar ou rio. “É uma loucura. Há pessoas que já pagaram para vir ilegalmente para a Grécia, e estão a pagar de novo para voltar para casa”, dizia um guarda de fronteira junto ao rio Evros (Norte da Grécia) à agência francesa AFP. “E isto acontece todos os dias.”
Algumas só não o fazem porque o dinheiro que trouxeram já acabou há muito tempo. “Dêem-me dinheiro para pagar a alguém que me leve e eu volto para a Síria agora. Lá a morte é rápida, aqui estamos a morrer devagar”, desabafava Thar al-Naher, um refugiado sírio que chegou à Grécia em Fevereiro. A viagem levou seis meses entre tentativas de fuga de uma cidade cercada até às viagens por terra e mar, até acabar em Lesbos, com 250 dólares no bolso, que esperava serem suficientes para a viagem até à Alemanha. Mas com a fronteira fechada, Naher e a família continuam na Grécia. Há mais tempo do que o que fizeram a viajar, e com menos esperança. Sentem-se prisioneiros, e por isso, preferiam a liberdade mesmo que em guerra.
Se algumas destas pessoas poderiam escolher voltar no âmbito do acordo entre a União Europeia e a Turquia, que prevê o regresso de quem queira, a burocracia grega e falta de informação entre os refugiados dificultam esta opção.
Regressos forçados à Turquia
Por outro lado, há suspeitas de que o acordo não está a ser cumprido como devia. A Amnistia Internacional denunciou no final de Outubro o regresso forçado de uma família síria acabada de chegar a uma ilha grega. Depois de ter sido regatada no mar quando a embarcação em que seguiam da Turquia para Itália se encontrou com dificuldades em águas territoriais gregas, a família de Lawand Haji Mohammad, um homem de 33 anos de Kobani, a sua mulher e quatro filhos com menos de cinco anos, foi levada para a ilha grega de Milos. Lá, expressaram a intenção de pedir asilo na Grécia.
Alguns dias mais tarde, a polícia disse-lhes que iriam ser levados de avião para Atenas. Só perceberam que tinham sido deportados quando o avião aterrou na cidade de Adana, na Turquia. “Quando chegámos e vimos a bandeira turca ficámos chocados”, contou Mohammad ao diário britânico The Guardian. “Confiámos na polícia e eles enganaram-nos, não sabemos porquê.”
O caso, junto com outro suspeito de um procedimento semelhante, está a ser investigado pelas autoridades gregas depois da denúncia da organização. “No melhor dos casos é incompetência, no pior é uma tentativa cínica das autoridades, sob pressão crescente da União Europeia, para remover os refugiados sírios do país a qualquer custo”, denuncia Dalhuisen.
O que é irónico é que este não deveria ser um problema tão grande, sublinha o responsável da Amnistia Internacional: “Não é assim tanta gente, 50 mil pessoas caberiam confortavelmente dentro do esquema de recolocação” proposto pela Comissão Europeia. Mas os países, com raras excepções, não se apressam a receber a sua parte – “por se oporem activamente à redistribuição ou por acharem que a situação não é assim tão má”.
Com a responsabilidade partilhada pela demora da burocracia grega e a falta de vontade dos países, mesmo com mais rapidez “é possível que demore ainda vários anos até redistribuir estas pessoas”, considera Schönbauer.
Nada disto é um acaso, acusa John Dalhuisen. “Esta combinação tem um objectivo: é ser um dissuasor, fazer com que os refugiados não queiram vir para a Europa”, diz. “Não é um plano escondido: está nas declarações de vários países. Há um desejo de dar a ideia de que a Europa não é um destino que recebe bem refugiados. E é uma grande vergonha para a Europa.”