Portugueses “perderam” três anos de vida saudável. Mulheres estão pior
Aos 65 anos, os portugueses podem esperar viver apenas mais sete anos sem incapacidades. Em média, as portuguesas têm só mais 5,6 anos sem doenças.
É um dado que está a intrigar e a preocupar os especialistas: os portugueses “perderam” cerca de três anos de esperança de vida saudável em 2014 face ao ano anterior, fenómeno que os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) vão investigar para tentar perceber o que aconteceu e, eventualmente, rever as ambiciosas metas que tinham traçado para 2020.
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É um dado que está a intrigar e a preocupar os especialistas: os portugueses “perderam” cerca de três anos de esperança de vida saudável em 2014 face ao ano anterior, fenómeno que os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) vão investigar para tentar perceber o que aconteceu e, eventualmente, rever as ambiciosas metas que tinham traçado para 2020.
As mulheres foram as mais afectadas por esta espécie de hecatombe estatística: aos 65 anos (e estamos a falar de médias, claro), podiam esperar viver apenas mais 5,6 anos sem incapacidades, enquanto aos homens aguardava-os um cenário mais desafogado - 6,9 anos sem doença ou limitações de longa duração. São os dados mais recentes do Eurostat (gabinete de estatísticas da União Europeia) que encheram de surpresa e de consternação os responsáveis da DGS.
Recentemente actualizados pelo Eurostat com dados de 2014, os números deixam Portugal - que já não estava em boa situação na comparação com os países mais avançados - muito mal na fotografia. Como a esperança de vida não pára de aumentar, vivemos mais tempo, mas o problema é que o vivemos com menos saúde.
As mulheres estão em pior situação. Com uma esperança de vida superior à dos homens, vão passar a maior parte dos seus anos de reforma com doenças e incapacidades várias. Sem qualidade de vida, portanto, e na cauda da União Europeia, no que a este indicador diz respeito. Em 2014, em pior situação do que a nossa encontravam-se apenas as mulheres da Letónia e da Eslováquia.
Cenário coloca em causa meta para 2020
Ainda que seja olhado com reservas por alguns especialistas, o indicador esperança de vida saudável (ou anos de vida saudável) tem sido cada vez mais utilizado e invocado pelos responsáveis políticos e pelas autoridades de saúde. Foi mesmo introduzido no Plano Nacional de Saúde (PNS) pela primeira vez em 2015, integrando o grupo das quatro prioridades a trabalhar até 2020.
Os responsáveis da DGS tinham definido como meta para 2020 um aumento em 30% deste indicador. Na prática isto implicaria que passássemos de cerca de nove anos de vida saudável após os 65 (a média que tínhamos atingido em 2013) para 12 anos de vida sem incapacidades em 2020. Mas a quebra de 2014 alterou completamente este cenário.
Sublinhando que desconhecia os dados actualizados pelo Eurostat, o director executivo do PNS, Rui Portugal, considerou-os “surpreendentes” e garantiu que vai tentar perceber se isto pode justificar-se com “os cálculos ou a informação fornecida”. Mas sublinhou, desde logo, que está “muito preocupado” com a diferença entre homens e mulheres - que já era grande e ainda se acentuou em 2014. “É um desastre”, lamentou.
Quanto às metas para 2020, admite que terão eventualmente que ser corrigidas, mas também nota que fazer isto “a meio do campeonato” é complicado. “Vivemos mais, mas vivemos mal, ou pior do que poderíamos viver, nos últimos anos de vida. É um envelhecimento duro. Viver muitos anos não chega”, frisa o médico.
“Será que este indicador é um reflexo de um agravamento geral das condições sócio-económicas do país nos últimos anos e que agora são visíveis? Se sim, por que tem um desfasamento temporal tão grande? Vamos estudar o impacte destes novos dados nas projecções”, prometem Rui Portugal e também Paulo Nogueira, que dirige o sistema de informação e análise da DGS, em resposta conjunta, enviada por email, a perguntas do PÚBLICO.
Geração com baixa escolaridade
Quanto às causas dos maus resultados neste indicador, os dois especulam que isto poderá ser “um efeito de geração”. Porque “a geração que hoje tem 65 anos tem níveis de escolaridade relativamente baixas e exerceu profissões manuais com repercussões em termos de saúde” e quem “iniciou trabalho nos finais dos anos 60 e início dos anos 70 tinha muito pouca assistência médica”.
O certo é que, enquanto os cidadãos de outros países europeus têm, aos 65 anos, 13, 14 e 15 anos de esperança de vida saudável, nós temos metade. O que significa que passaremos a última década de vida doentes e com vários tipos de incapacidades. “Temos que nos ir preparando para envelhecer bem. É preciso introduzir uma nova dimensão da saúde - o bem estar. Isso passa pela saúde ocupacional, as empresas são muito importantes”, recomenda Rui Portugal, que frisa que a principal carga de doença decorre da doença musculo-esquelética e dos problemas de saúde mental.
O que não foi possível apurar é se os membros do Governo que, em 17 de Outubro, decidiram criar, por despacho, um grupo de trabalho incumbido de definir uma “estratégia nacional para o envelhecimento activo e saudável” no prazo de 180 dias, estariam já na posse destes dados. O preâmbulo é sintomático. “Apesar da esperança média de vida aos 65 anos ser de quase 20 anos, comparando bem com os países europeus com melhores indicadores, cerca desses 16 anos serão vividos sem qualidade de vida”, frisavam. Explicações para a pior situação nacional? A “elevada carga global de doença” e “a conjugação desfavorável de determinantes de saúde”, como as condições socioeconómicas, a literacia, os comportamentos em saúde, elencam.
“Este é um indicador terrível. Vivemos tantos anos como os cidadãos de países mais desenvolvidos, mas vivemos doentes”, comenta o presidente da Associação Amigos da Grande Idade, Rui Fontes. O problema é que, enquanto os países mais avançados investem na prevenção, Portugal investe “nos acamados”, critica.
Depois de ter visto surgir e desaparecer uma comissão para a política de terceira idade e um programa nacional de apoio a idosos, Maria João Quintela, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria, olha com prudência para a criação do novo grupo de trabalho: “Primeiro é preciso mudar mentalidades e,depois, definir políticas claras para o envelhecimento activo”.