Juristas vêem incompatibilidade na posse de ministra como juíza do Supremo

Alguns especialistas em Direito Administrativo não apontam ilegalidade, mas para outros estará em causa a separação de poderes. Gabinete da ministra da Justiça admite que tomada de posse poderia ter ocorrido noutra altura.

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Rui Gaudêncio

Dois especialistas em Direito Administrativo consideram que a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, não devia ter tomado posse como juíza do Supremo Tribunal de Justiça, o que aconteceu em final de Março, enquanto mantivesse o exercício de um cargo político. Os juristas falam de uma incompatibilidade, ainda que momentânea, devido ao princípio da separação de poderes. A opinião não é unânime, defendendo, um outro professor universitário da mesma área, que o acto de posse é “puramente simbólico”, não encontrando qualquer ilegalidade no mesmo.

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Dois especialistas em Direito Administrativo consideram que a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, não devia ter tomado posse como juíza do Supremo Tribunal de Justiça, o que aconteceu em final de Março, enquanto mantivesse o exercício de um cargo político. Os juristas falam de uma incompatibilidade, ainda que momentânea, devido ao princípio da separação de poderes. A opinião não é unânime, defendendo, um outro professor universitário da mesma área, que o acto de posse é “puramente simbólico”, não encontrando qualquer ilegalidade no mesmo.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete da ministra da Justiça sublinha que o concurso ao Supremo foi aberto em Outubro de 2013 e a ordenação dos candidatos foi definida em 4 de Novembro de 2014, cerca de um ano antes de Van Dunem, magistrada de carreira, tomar posse como ministra. Foi já este ano, a 15 de Março, que a nomeação foi feita pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM). E a tomada de posse ocorreu a 29 de Março. “Esta nomeação implica a tomada de posse, mas não pressupõe o imediato início de funções como juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça”, diz o gabinete da ministra da Justiça, que admite que a posse poderia ter ocorrido noutra altura. Na resposta escrita, afirma-se que o início de funções como juíza do Supremo “fica automaticamente suspenso e é diferido para o momento posterior à cessação do exercício das funções governativas”.

O advogado José Robin de Andrade, especialista em Direito Administrativo, vê uma incompatibilidade no momento da tomada de Van Dunem como juíza-conselheira. “Uma pessoa não pode ser simultaneamente membro do Governo e juíza do Supremo, sob pena de uma violação flagrante do princípio da separação de poderes”, afirma Robin de Andrade. E argumenta: “Não faz qualquer sentido tomar posse numa função, se no momento em que se está a aceitar o cargo já se está impedido de exercer aquela função”. O advogado sustenta ainda que a tomada de posse é um “acto de aceitação da nomeação, que significa disponibilidade para iniciar de imediato essas funções”. E questiona: “Se assim não for, qual é o significado da posse?”

"Questão delicada: o princípio da separação de poderes"

Um outro especialista, professor universitário de Direito Administrativo, que pediu para não ser identificado, considera que há uma incompatibilidade no momento da tomada de posse, admitindo que se trata de um problema formal. Não deixa, contudo, de referir que essa incompatibilidade está associada a uma questão delicada: o princípio da separação de poderes. Por isso, sustenta que Van Dunem deveria ter solicitado ao CSM uma prorrogação do prazo para tomar posse, até deixar o Governo. “Se o pedido fosse indeferido restava à ministra deixar o Governo para assumir funções como juíza do Supremo”, remata.

Esta posição não é unânime. O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Licínio Martins, não vê qualquer ilegalidade no facto de Van Dunem ter tomado posse como juíza-conselheira enquanto ocupava o cargo de ministra da Justiça. “A posse é um acto puramente simbólico. Formal. A consumação de algo que está perfeitamente adquirido que é a graduação no concurso”, avalia. E acrescenta: “O exercício do cargo político não pode introduzir prejuízos na carreira dos magistrados”.

Também a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuela Paupério, não vê qualquer problema na tomada de posse, já que Van Dunem “não chega a exercer efectivamente as funções de juíza- conselheira porque se encontra em comissão de serviço”.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais prevê que em regra a posse deve ocorrer nos trinta dias seguintes à nomeação, prazo que se começa a contar no dia seguinte ao da publicação do acto no Diário da República. Mas admite que “em casos justificados” o Conselho Superior da Magistratura possa prorrogar o prazo. Por outro lado, estipula que só a falta não justificada à tomada de posse pode levar à anulação da nomeação.  Contactado pelo PÚBLICO, o CSM, órgão de tutela dos juízes, optou por não responder sobre se existe qualquer incompatibilidade no facto de Van Dunem tomar posse como juíza do Supremo enquanto exerce um cargo governativo. Também não esclarece se a tomada de posse poderia ter sido suspensa. 

Supremo colocou juiz substituto   

O Supremo Tribunal de Justiça abriu um lugar suplementar de juiz-conselheiro para compensar o facto de Francisca Van Dunem estar no Governo, confirmou fonte oficial da instituição. Esse procedimento está previsto na Lei da Organização do Sistema Judiciário, um diploma de 2013, que determina que esse lugar se extingue quando o juiz que está no Executivo regressa ao serviço efectivo. Apesar disso, o juiz que entrou nessa vaga mantém-se no Supremo, mas num lugar fora do quadro, entrando para o quadro mal abra uma vaga. Van Dunem fez toda a carreira no Ministério Público, passando este ano para a judicatura, nas vagas existentes no Supremo para procuradores.