PS-Madeira com um trunfo e um problema chamado Paulo Cafôfo
O presidente da maior autarquia da Madeira foi eleito por uma coligação liderada pelo PS-Madeira. A direcção do partido mudou, e a cumplicidade entre Paulo Cafôfo e os responsáveis socialistas do arquipélago esbateu-se.
Quando em 2013 a oposição desenhou um novo mapa autárquico na Madeira, conquistando sete dos 11 municípios da região autónoma, Paulo Cafôfo foi o rosto desse vendaval político que abanou os alicerces do PSD liderado por Alberto João Jardim.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Quando em 2013 a oposição desenhou um novo mapa autárquico na Madeira, conquistando sete dos 11 municípios da região autónoma, Paulo Cafôfo foi o rosto desse vendaval político que abanou os alicerces do PSD liderado por Alberto João Jardim.
Três anos volvidos, é o mesmo Cafôfo, que como independente ganhou o Funchal à frente de uma coligação liderada pelo PS-Madeira, a tornar-se um incómodo para a direcção local dos socialistas.
O autarca funchalense, mesmo continuando sem cartão de militante, tem vindo a reforçar a popularidade junto das bases do PS, tanto que já há quem queira queimar etapas, e apontá-lo como candidato socialista às regionais de 2019, em detrimento do actual presidente Carlos Pereira, deputado em São Bento.
“A direcção [do PS-Madeira] está cada vez mais isolada, mais afastada das pessoas, e é também por isso que Paulo Cafôfo é a pessoa mais bem preparada para concorrer ao Funchal no próximo ano e candidatar-se depois às eleições regionais”, defendeu ao PÚBLICO um ex-presidente do partido. João Carlos Gouveia critica a forma como a actual direcção socialista tem olhado para as candidaturas autárquicas independentes, acusando Carlos Pereira de colocar os interesses partidários à frente das populações.
“Os partidos existem para servir as pessoas, não o contrário”, reclama o antigo dirigente socialista, considerando que o problema nem passa pela “distância” a que Carlos Pereira está da região, por ser deputado em Lisboa. “Podia estar no Funchal ou na China, a questão é a pessoa, não o local onde ela está”, argumenta, criticando a estratégia da actual direcção.
“Numa altura em que o partido devia estar a olhar para as autarquias, fazendo a leitura daquilo que foram os últimos resultados e as conquistas dos movimentos independentes apoiados na base pelo PS, o presidente do partido opta por colocar cartazes por toda a ilha a dizer ‘Contem comigo’”. “Contem comigo para quê? Que eu saiba, Carlos Pereira não é candidato.”
Gouveia não é a única voz discordante contra a actual direcção do PS-Madeira, mas foi a primeira a verbalizar o "elefante na sala" em que se transformou Paulo Cafôfo, que está bem presente num dividido grupo parlamentar. De um lado está Victor Freitas, o antecessor de Carlos Pereira, do outro Jaime Leandro, o líder do grupo parlamentar e secretário-geral do partido.
Foi com Victor Freitas, que já admitiu que Cafôfo tem o “perfil certo para presidir aos destinos da região”, que o autarca entrou na política. O presidente da câmara do Funchal foi vice-coordenador do Sindicato dos Professores da Madeira (SPM), saindo em choque com a restante direcção, por discordar do convite feito a Alberto João Jardim para inaugurar a nova sede do SPM, em plena campanha para as regionais de 2011.
Freitas viu ali uma oportunidade. Dois anos depois, no pico do Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), com o investimento público, no qual assentava o modelo económico protagonizado por Alberto João Jardim, estagnado, as condições eram propícias para infligir uma derrota ao PSD-Madeira. O desemprego crescia para números nunca vistos durante o jardinismo e o aumento brutal na carga de impostos, ditado pelo PAEF, esmagava a vida de todos.
O PS-Madeira negociou com a oposição e conseguiu reunir Bloco, PND, o PTP de José Manuel Coelho, PAN e MPT, numa coligação. A "Mudança", encabeçada por Paulo Cafôfo, derrotou nas urnas o candidato social-democrata Bruno Pereira, ex-vice da autarquia que tinha como grande handicap o facto de, na luta interna do PSD, ter ficado ao lado de Jardim em detrimento de Albuquerque.
Dois anos depois, nas regionais, enfrentando não Jardim, mas Albuquerque, o PS voltou a ensaiar a mesma "Mudança", agora sem o apoio do Bloco, mas desta vez falhou rotundamente. O PSD segurou a maioria absoluta, e os socialistas mantiveram-se como terceira força no parlamento regional, com os mesmos cinco deputados do JPP.
Victor Freitas demitiu-se nessa mesma noite. Carlos Pereira pegou no partido pouco depois. Economista de formação, foi das primeiras vozes a alertar para que algo não batia certo nas contas madeirenses. As capacidades técnicas e as ideias para alavancar a economia regionais são consensuais dentro do partido, mas muitos apontam-lhe a falta de dialética política para seduzir o eleitorado.
A isto, Carlos Pereira, responde com o apoio do último congresso. “O PS tem uma estratégia clara que está definida há muito tempo, e foi sufragada internamente por ampla maioria”, diz ao PÚBLICO, recusando comentar a "questão Cafôfo". “O partido está concentrado nas autárquicas”, insiste.
Também o autarca se diz empenhado nas eleições do próximo ano. “Este projecto, como eu sempre disse, não se esgota em quatro anos. É nele que estou completamente focado”, garante.
O apoio que veio de Lisboa
O apoio à recandidatura de Cafôfo veio de Lisboa. António Costa, no encerramento do congresso regional socialista, em Junho, elogiou a governação do independente, antes mesmo de o PS local abordar a questão. Aliás, num jantar-comício recente, com o pretexto de assinalar os três anos de Mudança no Funchal, e que serviu para legitimar a recandidatura do autarca, foi notada a ausência de Carlos Pereira, lider regional. Todos os partidos que compõem a coligação marcaram presença ao mais alto nível. José Inácio, eurodeputado do MPT, veio de Bruxelas para participar no jantar. Carlos Pereira estava em Lisboa e não “conseguiu” estar presente.
A verdade é que na Madeira tem sido Cafôfo o rosto da oposição ao governo social-democrata. O CDS é uma sombra do que já foi, e debate-se também com algumas críticas internas que o último congresso não conseguiu apaziguar. O JPP, uma das surpresas das regionais de 2015, está desgastado pela governação autárquica em Santa Cruz, o segundo maior município madeirense, e por um discurso por vezes errático no parlamento regional. E o PS, apesar das constantes viagens de Carlos Pereira entre Lisboa e Funchal, não tem conseguido fazer uma oposição eficaz.
Mas Cafôfo também não escapa às críticas. Os primeiros meses da Mudança foram atribulados. Gil Canha, dirigente do então PND, demitiu-se após Cafôfo retirar-lhe competências, devido a alegadas pressões de comerciantes da cidade. A vice-presidente Filipa Jardim Fernandes (independente proposta pelo PS) e Edgar da Silva (PTP), solidarizaram-se e também saíram. Mais recentemente, Emanuel Bento, próximo de Carlos Pereira, bateu com a porta. Era adjunto de Cafôfo e foi um dos motores da campanha eleitoral. Justificou a saída por motivos de saúde, mas muitos relacionaram a saída com as tensões entre o PS-Madeira e a vereação funchalense.