O Museu do Louvre acolher património em perigo é uma boa intenção ou um bom negócio?
Presidente francês propõe que as novas reservas do museu francês acolham património ameaçado do Iraque e da Síria.
O presidente francês François Hollande defendeu que as futuras reservas do Museu do Louvre, que devem abrir em 2019 no Norte de França, podem acolher também temporariamente o património ameaçado dos países em guerra, como o Iraque e a Síria.
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O presidente francês François Hollande defendeu que as futuras reservas do Museu do Louvre, que devem abrir em 2019 no Norte de França, podem acolher também temporariamente o património ameaçado dos países em guerra, como o Iraque e a Síria.
“A missão primeira do centro de Liévin será acolher as reservas do Museu do Louvre”, cuja sede se encontra em Paris e é o museu mais visitado do mundo (8,6 milhões de entradas em 2015), mas estas sofisticadas dependências orçadas em 60 milhões de euros, onde se guardarão as peças que não estão expostas em permanência no museu, poderão ter também “uma outra vocação infelizmente ligada aos acontecimentos, aos dramas, às tragédias que acontecem no mundo", disse o Presidente francês na terça-feira, citado pela AFP, depois de ter descerrado uma placa do futuro centro. "Aí, onde as obras estão em perigo, porque os terroristas, porque os bárbaros decidiram destruí-las”, nomeadamente “aquelas que estão na Síria e no Iraque”, acrescentou François Hollande.
O Centro de Conservação do Louvre, como se chamará este serviço localizado a 200 quilómetros de Paris, deverá acolher grande parte das reservas de Louvre e resolver a ameaça das cheias que pairam sobre os armazéns de Paris – o museu chegou a encerrar este ano durante as cheias do Verão porque algumas das obras estavam em zonas inundáveis pelo rio Sena.
A decisão de acolher em França a arte ameaçada pela guerra poderá já ser tomada em Dezembro na conferência internacional sobre a preservação do património em perigo, que vai reunir em Abu Dhabi cerca de 40 países, acrescentou Hollande esta terça-feira.
“Nós entendemos que os patrimónios nacionais devem ficar nos próprios países a que pertencem”, diz ao PÚBLICO Luís Raposo, presidente do braço europeu do Conselho Internacional de Museus (ICOM Europa), a maior organização internacional do sector dos museus, sobre a proposta de François Hollande. O arqueólogo português afirma que “estas iniciativas nacionais só fazem sentido se forem validadas pelos organismos internacionais relevantes, neste caso a UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura], e também pelas autoridades legítimas dos países”. O presidente do ICOM-Europa não tem nada contra “esta medida cautelar provisória”, mas, a título pessoal, expressa “algumas reservas” em relação ao que conhece “da diplomacia cultural francesa ao serviço do negócio dos petrodólares das monarquias do Golfo”, que “infelizmente nem sempre leva às melhores escolhas”.
Luís Raposo lembra ainda que o ICOM e o ICOMOS – a organização congénere ligada aos monumentos e sítios – têm no terreno equipas técnicas a trabalhar, como aconteceu no caso de Palmira, a cidade histórica da Síria que é património mundial e foi parcialmente destruída em 2015 pelo Estado Islâmico: “Nos pós-catástrofes as equipas técnicas fazem o inventário dos danos para ajudar na recuperação possível.” O ICOM tem também “as linhas vermelhas do património, publicações sobre vários locais, para ter um conhecimento prévio do que pode estar em perigo nos territórios ameaçados pela guerra", explica. "Não é só conversa e é fundamental para saber o que lá estava antes do saque dos museus.”
A reunião em Abu Dhabi terá lugar a 2 e 3 de Dezembro e deve coincidir com a conclusão das obras da sucursal do Museu do Louvre nos Emirados Árabes Unidos. O presidente francês encarregou Jack Lang, presidente do Instituto do Mundo Árabe de Paris, de organizar esta conferência dedicada ao património em perigo para coincidir com a inauguração do Louvre, que entretanto foi adiada para 2017. Só a construção do Louvre Abu Dhabi, com projecto do arquitecto francês Jean Nouvel, está estimada em 580 milhões de dólares.
Em Setembro último, o presidente francês, lembra a AFP, já tinha anunciado a criação de um fundo mundial para a salvaguarda do património ameaçado, tema a ser discutido na mesma reunião. O fundo, de origem privada, propõe-se juntar até 100 milhões de euros.