Portugueses voltaram a ter um “capital de esperança” que fez baixar a emigração
A emigração diminuiu 18,5% em 2015. Mais do que a economia do país, o que melhorou foi “a crença dos portugueses no futuro”, interpretam investigadores, para quem, porém, não se pode dizer que o país esteja a sair do declínio populacional.
A função pública começou a ver repostos os seus salários, o salário mínimo poderá aproximar-se dos 557 euros em 2017, os impostos aumentaram, sim, mas por via indirecta, o que dá alguma margem de manobra aos consumidores. Apesar de não traduzirem nenhuma reviravolta na situação económica do país, estas medidas bastaram, segundo o investigador Jorge Malheiros, para gerar “um certo capital de esperança” que fez diminuir o número de portugueses que todos os anos saem para trabalhar lá fora.
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A função pública começou a ver repostos os seus salários, o salário mínimo poderá aproximar-se dos 557 euros em 2017, os impostos aumentaram, sim, mas por via indirecta, o que dá alguma margem de manobra aos consumidores. Apesar de não traduzirem nenhuma reviravolta na situação económica do país, estas medidas bastaram, segundo o investigador Jorge Malheiros, para gerar “um certo capital de esperança” que fez diminuir o número de portugueses que todos os anos saem para trabalhar lá fora.
Em 2015, o número de emigrantes portugueses diminuiu 18,5%, face ao ano anterior. O Instituto Nacional de Estatística (INE) contou 40.377 emigrantes permanentes, ou seja, portugueses que foram trabalhar e viver para o estrangeiro por pelo menos um ano, contra os 49.572 de 2014. Entre os emigrantes temporários (os que saem por mais de três meses e menos de um ano), a diminuição foi ainda mais expressiva, tendo chegado aos 28,5%: foram 60.826 em 2015, contra os 85.052 de 2014.
Mesmo assim, entre temporários e permanentes, Portugal viu saírem no ano passado 101.203 portugueses. Mas a segunda boa notícia é que o país viu entrar no ano passado 29.896 pessoas, o que, não sendo muito, traduz um aumento de 53,2% face a 2014. Mas antes de colocarmos a lupa sobre os que entraram no país, convém lembrar que esta aparente inversão de tendência não foi suficiente para que o saldo migratório saísse dos valores negativos (menos 10.481 pessoas, em 2015).
É assim há cinco anos consecutivos. E se em 2014 o cenário era bastante pior (menos 30.956 pessoas), nada garante ainda que o país esteja no caminho certo para sair do Inverno demográfico em que anda mergulhado, pelo menos desde que, em 2010, o saldo populacional entrou em terreno negativo. “O Inverno está a ficar mais suave, mas ainda não saímos da estação fria e, apesar de tudo indicar que a tendência para o desagravamento se mantenha em 2016, não está de maneira nenhuma assegurado que assim continue”, alerta Malheiros, que estuda há anos estas variações populacionais no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.
“Mais do que as dificuldades reais, o que melhorou foi a percepção que as pessoas têm das dificuldades reais. As pessoas estão cientes dos riscos, são alertadas pela União Europeia e pela Oposição, mas a verdade é que passou um ano de algum entendimento e gerou-se um certo capital de esperança que leva a que as pessoas procurem soluções cá antes de irem lá para fora”, precisa aquele investigador, para quem “a publicação de alguma legislação que promove a protecção social, nomeadamente de quem trabalha, mesmo que às vezes seja só no plano discursivo, também ajuda a que as pessoas tenham uma crença maior no futuro”.
Por detrás do travão aos contínuos aumentos dos fluxos migratórios, estarão também mudanças nas condições económicas dos países de destino. “Há pessoas a regressar do Brasil, a situação em Angola também se deteriorou”, aponta Malheiros. “A emigração portuguesa para Angola diminuiu acentuadamente”, concorda o sociólogo José Carlos Marques. Para o investigador do Centro Interdisciplinar de Estudos Sociais da Universidade Nova de Lisboa, mais do que a melhoria da situação do país, o ímpeto migratório de muitos portugueses há-de ter sido travado por factores como o recente “Brexit” do Reino Unido e o referendo que, em 2014, levou os suíços a dizerem que querem limites à entrada de estrangeiros no país.
“Teremos que aguardar alguns anos para percebermos se entramos numa tendência sustentada de alteração da queda demográfica ou se se trata de uma mera flutuação momentânea”, acautela José Carlos Marques.
Imigrantes aumentam 53,2%
É que o referido aumento de 53,2% no número de entradas não traduz necessariamente um aumento da atractividade de Portugal como destino de imigração. Se é verdade que o país passou de 19.516 entradas em 2014 para as 29.896 de 2015, o próprio INE esclarece que 43% destes nasceram em Portugal e 50% (14.949) tinham nacionalidade portuguesa. Logo, não são estrangeiros que se fixaram no país para trabalhar ou estudar. “O INE qualifica como imigrantes aqueles que entraram no país, após um ano de ausência. Portanto, podemos estar a falar do regresso de portugueses que estavam a trabalhar lá fora. E o facto de terem regressado em 2015 pode apenas significar que o contracto de trabalho acabou e, como estes emigrantes continuam a ter Portugal como referência para a sua vida social, voltaram ao país como ponto de apoio para encontrarem novo trabalho”, admite Malheiros.
No quadro das pessoas que entraram, o geografo chama ainda a atenção para os sete pontos percentuais de diferença entre os que nasceram em Portugal e os que têm nacionalidade portuguesa. “Nós atribuímos a nacionalidade portuguesa a 150 mil pessoas e muitos destes imigrantes foram atingidos pela crise e levados a emigrar para outros países. O que parece é que alguns estão a remigrar para Portugal”, observa. Para este investigador, seria abusivo enquadrar-se tais regressos em iniciativas como a que, em Março de 2015, levou o Governo de então a lançar o programa Vem, para apoiar o regresso de emigrantes. “O programa não funciona e não creio que tenha tido grande efeito até porque foi lançado poucos meses antes da mudança de Governo e depois basicamente deixou de ser aplicado”.