Faltam canções a Kate Tempest

Ao segundo tomo das aventuras de Kate Tempest no mundo da música faltam canções.

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Let Them Eat Chaos não nos atinje com a força de Everybody Down

Era um achado, Everybody Down, o disco de estreia da dramaturga e poeta Kate Tempest, um álbum que, antecipando as tendências da academia, levava ao extremo a o papel das palavras numa canção: fazendo juz ao seu nome artístico, a menina varria uma complexa história de solidão urbana, povoada com tráfico de drogas e relações amorosas falhadas, varria, dizia, a história narrada ao longo do disco com a força de um furacão. No início era a palavra, o extraordinário feito de encaixar uma quantidade apreciável de detalhes nos compassos disponíveis – mas por baixo, ou, mais propriamente, atrás,  estavam os beats e sem aqueles beats talvez Everybody Down não tivesse atingido o estatuto de cometa: negra e industrial, a parte musical da estreia de Tempest dava-lhe o exacto espaço que ela necessitava para oscilar entre narração e uma declamação que assentava na tradição do hip-hop: desembrulhando Everybody Down encontrávamos três prendas – grandes malhas, grandes rimas e uma grande história.

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Era um achado, Everybody Down, o disco de estreia da dramaturga e poeta Kate Tempest, um álbum que, antecipando as tendências da academia, levava ao extremo a o papel das palavras numa canção: fazendo juz ao seu nome artístico, a menina varria uma complexa história de solidão urbana, povoada com tráfico de drogas e relações amorosas falhadas, varria, dizia, a história narrada ao longo do disco com a força de um furacão. No início era a palavra, o extraordinário feito de encaixar uma quantidade apreciável de detalhes nos compassos disponíveis – mas por baixo, ou, mais propriamente, atrás,  estavam os beats e sem aqueles beats talvez Everybody Down não tivesse atingido o estatuto de cometa: negra e industrial, a parte musical da estreia de Tempest dava-lhe o exacto espaço que ela necessitava para oscilar entre narração e uma declamação que assentava na tradição do hip-hop: desembrulhando Everybody Down encontrávamos três prendas – grandes malhas, grandes rimas e uma grande história.

Teoricamente Let Them Eat Chaos é a mesma coisa e tem as mesmas qualidades e as mesmas dificuldades. Mas algo impede que Let Them Eat Chaos nos atinja com a mesma força barba de Everybody Down e não é a declamação de Kate (pungente, como sempre), não são as suas notas – é a pauta, os beats, toda a electrónica envolvente, agora menos negra, agora mais comedida, para que Kate possa declamar mais. Há, por assim dizer, menos canções nestas canções – há menos ganchos. O que não significa que não encontremos temas admiráveis – como Ketamine for breakfast, temaço com um grande e que ulalá quando entram as teclas. O problema é que para cada Ketamine for breakfast (temaço) existe uma Don’t fall in, cujo beat – e passamos a citar as notas do poeta que assina este texto – “não é mau, mas tb não melhora”. Não há a mesma vertigem, a mesma voracidade, as mesmas sombras, o mesmo clima de ameaça, não há o som de uma engrenagem a esmagar, como havia em Everybody Down. Assim é coisa para a academia apreciar, caso Kate se torne muito popular.