A união faz a força

A Rádio Quântica tem sido um dos espelhos da efervescência do circuito independente de música portuguesa. Uma comunidade que celebra o primeiro aniversário na segunda-feira, no Lux.

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Nuno Ferreira Santos

O underground da música portuguesa já aprendeu a gostar dele próprio, e nos últimos anos tem aprendido cada vez melhor a mostrar-se a si próprio. Através de editoras, promotoras, colectivos, festas ou plataformas como a Rádio Quântica – uma rádio online que reúne muitos destes agentes, focada sobretudo na cena lisboeta, mas não só. Segunda-feira, no Lux, celebra um ano de actividade. O alinhamento conta com o DJ/produtor holandês Fatima Yamaha e vários colaboradores da rádio: Caroline Lethô, Dealy, EDND, Gonçalo, Karlon, Nuno Bernardino, a dupla Para Lá De Nunca, o trio Thug Unicorn e Varela. Antes da música, às 23h, há uma conversa sobre tendências feministas e queer com João Manuel de Oliveira, Shahd Wadi e João Moço.

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O underground da música portuguesa já aprendeu a gostar dele próprio, e nos últimos anos tem aprendido cada vez melhor a mostrar-se a si próprio. Através de editoras, promotoras, colectivos, festas ou plataformas como a Rádio Quântica – uma rádio online que reúne muitos destes agentes, focada sobretudo na cena lisboeta, mas não só. Segunda-feira, no Lux, celebra um ano de actividade. O alinhamento conta com o DJ/produtor holandês Fatima Yamaha e vários colaboradores da rádio: Caroline Lethô, Dealy, EDND, Gonçalo, Karlon, Nuno Bernardino, a dupla Para Lá De Nunca, o trio Thug Unicorn e Varela. Antes da música, às 23h, há uma conversa sobre tendências feministas e queer com João Manuel de Oliveira, Shahd Wadi e João Moço.

Tudo começou numa viagem de carro em Portugal, numas férias de Verão. Inês Coutinho (Violet, A.M.O.R.) e Marco Rodrigues (Photonz), DJs/produtores e responsáveis pela editora de música electrónica One Eyed Jacks, estavam a ouvir rádio e concluíram que a música preferida deles, sobretudo a feita ou escolhida por portugueses, não estava a chegar onde devia. “Aqui não havia programas de rádio independentes e de autor, como na NTS Radio [Londres] ou na Berlin Community Radio”, diz Inês, que na altura vivia com Marco em Londres.

O clima de efervescência no circuito de música independente nacional e a jorrada de sangue novo assim o pedia. “Havia coisas muito boas a acontecer cá que precisavam de existir numa plataforma comum que juntasse pessoas dispersas, sem objectivos de lucro ou audiências, e que fosse uma janela para que o mundo pudesse olhar para nós”, explica Marco. Perceberam que não estavam sozinhos. “Arrancámos com 70 pessoas e hoje somos 120. Pensávamos que ia ser uma coisa meio anémica, mas logo no início muita gente mobilizou-se e tornou-se num projecto muito comunal. Já não podíamos voltar atrás.”

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Nuno Ferreira Santos

E ao longo deste ano foram vários os passos em frente, sem anunciantes envolvidos. Inauguraram há dois meses um estúdio na Rua das Gaivotas 6, numa colaboração com o Teatro Praga. Deram corda à residência mensal da rádio no Lounge e organizaram festas no Porto e em Londres. Foram integrando mais programas de portugueses a viver lá fora e de nomes internacionais (as maravilhas da internet), como a editora brasileira 40% Foda/Maneiríssimo. São parceiros do novo festival Lisboa Electronica, que arranca em 2017, e começaram a fazer transmissões especiais ao vivo – como aconteceu no domingo passado, com o set do norueguês DJ Sotofett a partir da Flur.

Divulgar

Há muita gente que não se vai esquecer do que Inês e Marco decidiram fazer no Verão do ano passado – sobretudo intervenientes da cena de música electrónica nacional, o território mais cultivado na Rádio Quântica. Entre nomes estabelecidos, e em programas semanais, quinzenais ou de quatro em quatro semanas, dá-se protagonismo a uma série de editoras recentes – LABAREDA, Sombra, Helena, 1980, Linga Sharira, AVNL, Extended Records, Eye For An Eye Recordings – e DJs emergentes, como MVRIA, Polido, Chima Hiro, Vozone ou Caroline Lethô.

Mas há mais (está tudo disponível no Mixcloud): punk hardcore (Punk Bloc, de Diogo Ferreira de Almeida), metal (da dupla Satan Made Me Do It), hip-hop (Something Else, de Karlon, dos Nigga Poison, e Summer Of Love, das A.M.O.R.), música de filmes (You Know The Score, de Daniel Reifferscheid), música clássica e contemporânea (A Claridade dos Gestos Obscuros, de Tiago Sousa), ou até o programa da família Cafetra. A atmosfera é quase de um rádio pirata. Não interessam os aspectos técnicos; interessa dar independência e agência aos autores dos programas, que podem ser músicos, DJs, colectivos, programadores, agentes culturais ou alguém com uma relação não-profissional, mas comprometida, com a música. Pelo caminho vai-se cimentando uma comunidade, uma rede de afectos e partilhas do-it-yourself.

“A Quântica aproximou muita gente que estava fisicamente dispersa”, considera Mário Valente, programador do Lounge que tem também o seu lugar na rádio de quatro em quatro semanas (Live Tapes). “A residência no Lounge tornou-se num ponto de encontro regular de troca de ideias e partilha de afinidades. O estúdio da Quântica veio aproximar ainda mais toda a gente.”

Tal como outras estruturas independentes (Maternidade, Cafetra, Xita, Extended Records, LABAREDA…), a Quântica veio abrir novas possibilidades de programação e de introdução de novos artistas. “Apresentar alternativas sempre foi um dos meus objectivos como programador e esta explosão de novo talento tem sido uma bênção”, refere Mário. “O que está a acontecer à cena nacional nestes últimos anos é algo a que nunca tinha assistido. A Quântica surge [também] porque havia necessidade de criar mais canais de divulgação para tanta gente nova.”

Existe um “objectivo emancipatório”, assinala Inês. “Muitas vezes damos os melhores horários na rádio e datas ao vivo a DJs menos conhecidos e que começaram há pouco tempo.” É o caso de Chima Hiro (Nyce & Slo), que merece a nossa atenção. Para ela, a rádio serve como um veículo de divulgação, mas sobretudo como um espaço seguro para partilhar música, com “total liberdade”. “Eu estou sempre a pesquisar, para tudo. Por isso achei fantástico ter um sítio para partilhar o resultado das minhas pesquisas”, diz. “Há muita música ambiente, até coisas mais new age ou jazz, que não consigo encaixar na pista de dança mas que fazem sentido no meu programa.”

Trazer à tona uma geração mais nova é uma das alíneas da agenda política da Quântica, onde qualquer linguagem racista, misógina e homofóbica é proibida. Abrir portas a mulheres é outro dos objectivos (não fosse Inês uma empenhada feminista), numa tentativa de contrariar a secundarização das mesmas nos alinhamentos das rádios, festivais, clubes, editoras. “Como DJ homem branco nunca tive de vencer certas barreiras para fazer o meu trabalho pois sempre tive muitos exemplos. Temos de divulgar exemplos no feminino também para criar mais motivação. Ainda não conseguimos os 50/50, mas há algum equilíbrio que passa uma mensagem, tanto no line-up da rádio como nas festas”, nota Marco.

Investir mais nesta equidade está nos planos para o futuro próximo – e entre os novos colaboradores estão Diana Policarpo (Poly Garbo), Alice Selecta e Catherine Hilgers da Rave Ethics. “Queremos também ter mais programas políticos [por agora têm o de João Manuel de Oliveira, especialista em estudos de género], mais variedade, lusofonia e descentralização – queríamos abrir um estúdio no Porto e fazer uma rede de eventos pelo país e em Londres”, adiantam Inês e Marco. Ou seja, uma comunidade em vias de crescimento.