Crónica de um arrendamento impossível

Ter uma casa com recurso a crédito bancário era um caminho tão natural como entrar para a universidade, casar e ter filhos. Era assim e pronto. O crédito não era difícil de conseguir. Comprei a minha primeira casa assim que casei, em 2004, vendi-a dois anos depois pelo mesmo preço. Não foi um bom negócio, mas precisava de estar mais perto do local de trabalho. Mudança de cidade, mais uma compra de casa. Depois de ver dezenas e dezenas de prédios e de ficar abismada com as paredes a precisar de pintura, cozinhas a gritar por obras e banheiras amarelas, decidimo-nos por uma nova, longe do centro, mas com vista desafogada e todas as comodidades, daquelas que enchem o olho. Correu bem até os filhos crescerem.

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Ter uma casa com recurso a crédito bancário era um caminho tão natural como entrar para a universidade, casar e ter filhos. Era assim e pronto. O crédito não era difícil de conseguir. Comprei a minha primeira casa assim que casei, em 2004, vendi-a dois anos depois pelo mesmo preço. Não foi um bom negócio, mas precisava de estar mais perto do local de trabalho. Mudança de cidade, mais uma compra de casa. Depois de ver dezenas e dezenas de prédios e de ficar abismada com as paredes a precisar de pintura, cozinhas a gritar por obras e banheiras amarelas, decidimo-nos por uma nova, longe do centro, mas com vista desafogada e todas as comodidades, daquelas que enchem o olho. Correu bem até os filhos crescerem.

As deslocações diárias e o trânsito infernal ao longo de uma estrada nacional com semáforos a cada metro, cruzamentos e autocarros em fila indiana, tornaram as nossas manhãs um pequeno pesadelo perfumado a dióxido de carbono. Agarrada ao volante, lá ia pensando como era bom levar os miúdos a pé até à escola, olhar para as nuvens pelo caminho em vez de bufar a cada travagem.

Uma nova mudança impôs-se. E é aqui que estamos. Vender a casa está fora de questão — desta vez não vamos conseguir vendê-la nem sequer pelo preço que a comprámos — por isso o arrendamento pareceu-nos a melhor opção. A Internet, como melhor amiga de quem procura casa, oferece-me agora serões animados à procura da “tal”. As primeiras pesquisas rápidas mostraram o que Almada tem para oferecer: para um T3 ou T4 com áreas razoáveis rendas de 600 e 700 euros por casas com mais de 25 anos e a precisar de obras. As buscas seguiram-se, com mentalizações prévias do tipo “agora é que é”, como se a força do pensamento pudesse colocar a casa certa no nosso caminho.

A primeira que fomos ver ficava num primeiro andar de uma praceta de prédios altos, perto de transportes. Foram as fotos de uma cozinha totalmente remodelada que nos fizeram gastar uma manhã. Quando a porta se abriu, os tacos de madeira cheios de riscos mostraram-se em todo o seu esplendor. Vieram acompanhados de vidros partidos, paredes queimadas junto às tomadas de electricidade, varandas forradas a corticite e cheias de humidade. Dissemos “não obrigado” e continuámos à procura.

Num desses dias em que os dedos fazem scroll down pelo ecrã sem grande esperança, eis que surge uma casa enorme, cheia de luz, bem no centro da cidade. Preço: 1500 euros. Ao telefone quis confirmar se eram mesmo 1500 euros e, afinal, do que é que estávamos a falar. “Não estamos em Lisboa!”, protestei. “É a melhor casa, na melhor zona de Almada”, respondeu o mediador imobiliário. Depois da conversa, faço zoom às fotos e vejo a cozinha dos anos 1990 que nunca foi remodelada, as casas de banho originais, uma casa gasta e pouco cuidada para receber os próximos hóspedes. Arrendar para depois ter de gastar dinheiro em remodelações está fora de questão. Mais uma fora da lista.

As coisas começaram a correr melhor quando vimos uma casa por 650 euros que, pelas fotos, parecia estar com obras recentes. Ligámos, marcámos. Os quartos demasiado pequenos trouxeram-nos grande desilusão e o T3, que afinal tinha sido transformado em T2, era apertado para quatro pessoas, duas delas a crescer vertiginosamente. “Mas será que não vamos encontrar casa?”, desabafei. A mediadora imobiliária começou, então, a pôr-me a par da situação actual. “No outro dia, tinha três clientes interessados numa casa que estava a ser arrendada por 500 euros. Ganhou quem ofereceu 700 euros. E também arrendei outra por 450 euros, mas com a cozinha a precisar de obras profundas. Quem arrendou predispôs-se a pagar do seu bolso as obras. Isto está assim”, contou.

Não sabíamos, mas tínhamos entrado numa competição renhida pelos melhores metros quadrados. As regras parecem ser bastante simples: regem-se pelo “quem dá mais” e o “não importa que as canalizações estejam más, o inquilino paga porque há poucas casas para arrendar e não vai encontrar outra melhor”.

Posto isto, a estrada cheia de semáforos e filas de trânsito aguarda por mim. Vamos ser boas companheiras até o mercado imobiliário ganhar bom senso.

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