A Guiné Equatorial e os outros desafios da CPLP
A entrada da Hungria para o lote de observadores associados põe em evidência as políticas de Budapeste quanto aos refugiados e relativiza a importância da língua comum como vector de pertença à organização
Em véspera da XI cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), segunda e terça-feira em Brasília, o Governo de Lisboa insiste na abolição da pena de morte pela Guiné Equatorial, país membro desde Julho de 2014, que se juntou a Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
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Em véspera da XI cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), segunda e terça-feira em Brasília, o Governo de Lisboa insiste na abolição da pena de morte pela Guiné Equatorial, país membro desde Julho de 2014, que se juntou a Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
“Portugal confia que a Guiné Equatorial cumpra todos os seus compromissos e lembra que um compromisso fundamental é a abolição da pena de morte, visto que a CPLP tem esse requisito”, anunciou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Em declarações à Lusa, o chefe da diplomacia portuguesa congratulou-se pelo cumprimento do regime do Presidente Teodoro Obiang da moratória da pena de morte nos últimos dois anos. “É um elemento positivo” da adesão da Guiné Equatorial, admitiu Santos Silva.
Reconhecendo que nem todas as organizações multilaterais condicionam as adesões à abolição da pena de morte, o ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou a importância para Lisboa desta questão. “Portugal é um dos países líderes na luta mundial pela moratória nas execuções mas, também, pela abolição da pena de morte”, considerou. Já a ratificação, por Malabo, dos estatutos da CPLP é considerada, pela diplomacia portuguesa, como “boa notícia”.
Foi na cimeira de Díli, a 23 de Julho de 2014, que a Guiné Equatorial aderiu à CPLP, depois de em 20 de Fevereiro do mesmo ano, em Maputo, os ministros dos Negócios Estrangeiros terem recomendado esse passo aos chefes de Estado. Concluía, assim, um processo iniciado uma década antes quando Obiang apareceu como convidado-surpresa num encontro da organização pela mão do Presidente de São Tomé e Príncipe, Fradique de Menezes, no qual pediu para o seu país o estatuto de observador.
Em 2006, na cimeira de Bissau, este estatuto foi-lhe atribuído. O processo não foi linear e, em 2010, na cimeira de Luanda, Angola, Brasil, Cabo Verde e São Tomé, que se tinham comprometido publicamente com Teodoro Obiang para a entrada da Guiné Equatorial, têm um choque com a diplomacia portuguesa. O Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, que estava na capital angolana, ficou à porta do encontro e manifestou o seu desagrado.
Em Março de 2011, são definidas as condições para a adesão, trabalhadas pela presidência angolana da CPLP e por Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Entre elas, o fim da pena de morte, a democratização do regime e o ensino do português.
Visita polémica
O desrespeito dos direitos humanos naquele país africano é alvo de críticas de muitas organizações internacionais. Nas últimas eleições, em 24 de Abril passado, todos os partidos da oposição optaram pelo boicote. Obiang foi reeleito por 98% dos votos e, se cumprir na íntegra o mandato de sete anos, estará 44 anos no poder.
Na Guiné Equatorial, o terceiro país produtor de petróleo da África subsariana e um dos mais ricos do continente africano com um rendimento nacional bruto por habitante de 9025 euros (em 2014), mais de metade dos habitantes vivem na pobreza. No Índice de Desenvolvimento Humano, que mede o progresso económico e social de 187 países, aparece em 144º posto. Aquele país tem, assim, o maior fosso entre rendimentos per capita e desenvolvimento humano do planeta.
Quanto à introdução da língua portuguesa na Guiné Equatorial, nas declarações à Lusa o titular dos Negócios Estrangeiros notou alguns avanços e reiterou a disponibilidade de Portugal para apoiar Malabo na formação de professores.
“Para cumprir o enraizamento do português como terceiro idioma oficial [ao lado do espanhol e do francês], tudo passa por formar na escola básica e secundária os alunos em competências linguísticas que abranjam também o português”, especificou Augusto Santos Silva. No entanto, o site oficial da Guiné Equatorial está redigido em castelhano, tendo como opções o francês e o inglês.
Em Junho passado, a diplomacia portuguesa viveu um sobressalto. Teodoro Obiang, foi convidado a visitar a sede da CPLP em Lisboa pelo secretário-executivo, o diplomata moçambicano Murade Murargy. Esta iniciativa nem chegou a ocorrer, mas foi notório o incómodo das autoridades portuguesas. Então, Santos Silva, em resposta enviada ao PÚBLICO, demarcou-se da visita. “O ministro dos Negócios Estrangeiros desmente formalmente que o Governo tenha convidado o Presidente Obiang a deslocar-se a Portugal”, foi a resposta do Palácio das Necessidades.
Observadores em causa
Na reunião de Brasília, os chefes de Estado e de Governo vão aprovar a nova visão estratégica da CPLP para os próximos dez anos, um trabalho realizado entre Novembro de 2014 e Fevereiro último. O objectivo, segundo o relatório final a que o PÚBLICO teve acesso, “é reforçar os laços humanos, a solidariedade e a fraternidade entre todos os povos que têm a língua portuguesa como um dos fundamentos da sua identidade específica.”
Transformar estes vínculos históricos numa alavanca para o desenvolvimento dos Estados membros é o desafio até 2026. Da concertação político-diplomática à cooperação, passando pela promoção e difusão da língua portuguesa (ver outro texto).
Neste horizonte, não isento de dificuldades, é dado destaque à recente eleição de António Guterres como novo secretário-geral das Nações Unidas. Guterres é convidado da cimeira - em Brasília terá um encontro com o Presidente brasileiro Michel Temer - e no Palácio das Necessidades é sublinhado o apoio que vários Estados membros da CPLP prestaram à sua candidatura.
Do encontro de dois dias na capital do Brasil será designada a próxima secretária-executiva da organização, Maria do Carmo Silveira, indicada por São Tomé e Príncipe, em substituição de Murade Murargy. O mandato da nova secretária-executiva será de dois anos, e não de quatro, depois de um complexo processo negocial, em Março último, em Lisboa, na XV reunião ministerial dos chefes da diplomacia da Comunidade. Seguindo o princípio da rotatividade alfabética, cabia a Portugal a indicação do novo responsável, enquanto alguns membros – Angola, Cabo-Verde, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe – alegavam a existência de um acordo não escrito ou um compromisso verbal, segundo o qual o país que alberga a sede da organização ficaria inibido de indicar o secretário executivo. Tal era a posição, também, de Murargy, mas perante a insistência das autoridades portuguesas, o Brasil desenvolveu uma intensa actividade diplomática de mediação que desbloqueou o impasse. O mandato de quatro anos ficou dividido ao meio, e em 2018 será indicado um português.
Nas negociações vai também tratar-se da entrada de cinco novos países como observadores associados – República Checa, Eslováquia, Hungria, Costa do Marfim e Uruguai – que assim se juntam às ilhas Maurícias, Namíbia, Senegal, Turquia, Japão e Geórgia. A língua comum – o português – é cada vez menos uma referência, pois turcos, senegaleses ou georgianos não o dominam. Mas as acusações de membros da União Europeia e associações de defesa dos direitos humanos ao Governo do primeiro-ministro Viktor Orbán por abusos e tratamentos degradantes aos refugiados podem complicar a entrada da Hungria que, deste modo, pretende evitar o isolamento internacional.
“[A CPLP] é uma organização multilateral que requer comprometimento de todos os seus membros e também vinculação dos seus observadores associados a valores que são os do Estado de direito, dos direitos humanos, da democracia política, do respeito pela soberania de cada país, pela não-ingerência nos assuntos internos”, afirmou à Lusa Augusto Santos Silva. Um comentário que, na sua formulação, deixa entender a contradição entre a conjugação do respeito pelos valores com a autonomia das políticas internas.