Ai Weiwei, um artista no olho do furacão
O imenso campo de refugiados de Calais, a “Selva”, foi desmantelado esta semana. E Ai Weiwei estava lá. Quando Lesbos se tornou a principal porta de entrada de refugiados da Europa, Ai estava lá, de telefone na mão. Agora, há uma torrente de imagens do artista chinês a saltar para os museus.
Nos últimos dias, o Instagram de Ai Weiwei voltou a encher-se de imagens de campos de refugiados. Na “Selva” de Calais, o campo destruído durante a última semana na cidade costeira junto à entrada para o Eurotúnel entre a França e o Reino Unido, o artista chinês mostrou o caos da retirada de cerca de seis mil pessoas e a destruição das barracas, com alguns focos de incêndio e espessas colunas de fumo. São imagens de filtro esbranquiçado, com pessoas a vaguear no meio dos despojos de um quotidiano inventado para ser de curta duração - não foi, a “Selva”, como ficou conhecido este espaço, começou a ser erguida em 2002 e atingiu picos de ocupação nos últimos anos.
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Nos últimos dias, o Instagram de Ai Weiwei voltou a encher-se de imagens de campos de refugiados. Na “Selva” de Calais, o campo destruído durante a última semana na cidade costeira junto à entrada para o Eurotúnel entre a França e o Reino Unido, o artista chinês mostrou o caos da retirada de cerca de seis mil pessoas e a destruição das barracas, com alguns focos de incêndio e espessas colunas de fumo. São imagens de filtro esbranquiçado, com pessoas a vaguear no meio dos despojos de um quotidiano inventado para ser de curta duração - não foi, a “Selva”, como ficou conhecido este espaço, começou a ser erguida em 2002 e atingiu picos de ocupação nos últimos anos.
As imagens do Instagram de Ai Weiwei mostram o esqueleto de um território de excepção pelos piores motivos e põe a nu a forma desastrada como a França e a Europa lidaram com ele até ao último momento. São imagens criadas com uma intenção de denúncia e com um propósito de inclusão no discurso criativo de um artista que não gosta de separar a vida da arte. Ai Weiwei não se cansa de criticar a maneira como a Europa está a lidar com a chegada de milhares de pessoas ao seu território e quer mostrar o mais possível essa indignação. As redes sociais são só um dos seus pontos de partida.
Entre estas fotografias, a conta de Weiwei na mais popular rede social ligada à imagem fotográfica dá conta do quotidiano de um artista atarefado em inaugurações constantes, de um pai brincalhão e de uma pop star do mundo da arte muito disponível para selfies com os seus admiradores. Ai não gosta de separar a vida da arte. O dispositivo que lhe serve para registar o álbum de família é o mesmo que lhe permite criar matéria-prima para o seu discurso artístico.
Antes dos ocupantes da “Selva” de Calais, consciente do poder da sua assinatura, o artista usou de forma hábil as redes sociais assim que chegou a Lesbos, ilha grega que, em 2015, se tornou na maior porta de entrada de refugiados a querer viver na Europa. Em Dezembro desse ano, Ai Weiwei deu início a uma produção frenética de imagens, que formaram uma paisagem paradoxal: no meio de uma ilha paradisíaca, o drama e o terror estampados na cara de milhares de pessoas que, todos os dias, ali chegavam (ainda chegam) na esperança de alcançar outro sítio (e melhores condições de vida). Ai mostrou pessoas, e registou-se a si no meio delas. Mostrou coletes salva-vidas de cores fortes, barcos periclitantes, roupas molhadas e mantas térmicas de reflexos metálicos.
Durante cinco meses não parou. E, depois disso, os milhares de imagens que alimentaram esses feeds de partilha libertaram-se do arquivo digital: para uma exposição no Museu de Arte Cicládica, inaugurada em Maio deste ano em Atenas, o artista criou um enorme mosaico com as fotografias tiradas nos campos de Lesbos (iPhone Wallpaper), dando a essa imagética de consumo imediato (e confundível com o registo noticioso) outro alcance e outro discurso. Não foi uma passagem consensual, com vozes a criticar o aproveitamento de uma situação dramática para fazer arte. Ai respondeu: “Temos de proteger a Humanidade. Através da minha arte tento dar voz a pessoas que talvez nunca sejam ouvidas”. Em Setembro, Ai dizia que, apesar de ter batido no fundo, a situação dos refugiados ainda ia piorar mais. Os números dão-lhe razão: com as mortes registadas na última semana, 2016 transformou-se no ano mais mortífero para os imigrantes que tentam chegar à Europa através do Mediterrâneo.
A avalanche de imagens de Ai Weiwei chega agora a dois novos destinos: o Foam Fotografiemuseum, Amesterdão, com #SafePassage (até 7 de Dezembro), e o CAMERA - Centro Italiano per la Fotografia, de Turim, com Around Ai Weiwei: Photographs 1983-2016 (até 17 de Fevereiro). No primeiro, forraram-se várias paredes com imagens captadas em campos de refugiados não só em Lesbos, mas também na Síria, Turquia, Itália, Israel e França. No Foam, uma parte da exposição é também dedicada à experiência do artista com um quotidiano sob vigilância constante. No segundo, há um olhar retrospectivo para a produção do artista chinês relacionada com fotografia e vídeo, onde serão mostradas obras inéditas. Entre as fotografias registadas durante a sua estadia em Nova Iorque (1983-1993) e a sua produção mais recente em campos de refugiados, a exposição lança questões sobre o activismo do artista e as implicações que esse posicionamento assumem na sua obra. E há uma pergunta fundamental do curador italiano Davide Quadrio: será que esta grandiosa multiplicação de fotografias nos fazem ver e compreender mais, ou menos?