Na década de 1980, tudo era possível em Lisboa – para o bem e para o mal

As histórias de LX80 – Lisboa entra numa nova era, de Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes, são sobre a capital mas também sobre o país. Sete escolhas de momentos, figuras ou projectos que marcaram a cidade.

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Rita Baleia

Na primeira década integral de democracia do pós-25 de Abril, o país adere à CEE, vê a primeira novela portuguesa, o primeiro “bebé-proveta” e embala-o com o Vitinho. Mas Lisboa também se despede de Zeca Afonso no Coliseu, do Cinema Monumental e do Chiado como ele era. As histórias de LX80 – Lisboa entra numa nova era, da jornalista Joana Stichini Vilela e do designer Pedro Fernandes, são sobre a capital mas também sobre o país. Para a cidade das sete colinas, sete escolhas de momentos, figuras ou projectos que mudaram a cidade.

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Na primeira década integral de democracia do pós-25 de Abril, o país adere à CEE, vê a primeira novela portuguesa, o primeiro “bebé-proveta” e embala-o com o Vitinho. Mas Lisboa também se despede de Zeca Afonso no Coliseu, do Cinema Monumental e do Chiado como ele era. As histórias de LX80 – Lisboa entra numa nova era, da jornalista Joana Stichini Vilela e do designer Pedro Fernandes, são sobre a capital mas também sobre o país. Para a cidade das sete colinas, sete escolhas de momentos, figuras ou projectos que mudaram a cidade.

O poder das Amoreiras

As Amoreiras são uma síntese e um dos maiores símbolos da cidade na década de 1980 – “é o consumo” do centro comercial aberto em Setembro de 1985, “são as torres onde se concentra o poder, é um objecto de luxo”, diz Stichini Vilela, cujo livro recorda as muitas críticas ao trabalho do arquitecto Tomás Taveira que falam de “parolice kitsch”. É nas suas três torres que “as corretoras, as agências de publicidade, os advogados, as empresas de poder se concentram” e "é o ícone maior do percurso de Taveira, que é um símbolo dos anos 1980”, diz a jornalista sobre a sua ascensão e sobre a queda pública associada às cassetes polémicas.

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Carlos Lopes/Arquivo

O primeiro multibanco, os primeiros hipermercados

No Rossio, o Banco Nacional Ultramarino instala a sua primeira caixa multibanco de Lisboa em 1985. No mesmo ano, instala-se em Matosinhos o primeiro hipermercado do país, o Continente, que chega à Grande Lisboa dois anos depois, com o Jumbo, tornando a Amadora num destino de uma “romaria” que Pedro Fernandes recorda bem, dos preços baixos à afluência de lisboetas que a imprensa da época noticiou com um “misto de fascínio e de terror” pelos riscos para o comércio tradicional, completa Joana Stichini Vilela. “Foi logo um fenómeno”, diz a jornalista, ao contrário do multibanco, visto como “mais uma inovação sem se perceber o potencial que vai ter – ainda hoje somos uma excepção porque podemos tratar da vida toda no multibanco”.

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Krus Abecassis

“Era uma personagem controversa”, no mínimo, concordam Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes. O autarca que durante 10 anos mudou Lisboa, extirpando-a em 1984 do Cinema Monumental (“nunca foi uma obra de arte”, disse), projectando torres sortidas, prometendo no vazio acabar com as barracas ou erguendo mamarrachos como uma Feira Popular em frente aos Jerónimos que rapidamente foi demolida, “exercia o seu cargo com uma ambição e obsessão desmedida”, diz o designer. Stichini Vilela considera que “é uma figura que marca o início de uma nova era” que “tem o mérito de ter pegado numa cidade degradadíssima, suja, deprimida visualmente, cheia de lixo” apesar das muitas críticas, dislates e controvérsias em que Kruz Abecassis se envolveu – simboliza também “os excessos da época”.

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Pedro Cunha/Arquivo

Os bairros da heroína

Joana Stichini Vilela teve de ler, reler e confirmar várias vezes um número que lhe parecia indigerível – “100 mil heroinómanos em Portugal”, uma década em que o opiáceo fazia parte da paisagem e de Lisboa em particular. “Era um fenómeno inicialmente ignorado, e depois estava em todo o lado”, diz a jornalista. A certa altura, referem, "quase toda a gente conhecia alguém que tinha um problema com heroína". Marca “Lisboa pela relação dos bairros com o consumo e com a venda de heroína”, recorda Pedro Fernandes, e surgem os nomes do roteiro que desenham um mapa de uma cidade “rodeada de muitos bairros de lata” e com zonas centrais como o Casal Ventoso ou a Musgueira. Mas também nos bairros da classe média, a heroína ia deixando as suas marcas. 

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A revolução do Bairro Alto

“O 25 de Abril provocou uma grande cisão na cidade e numa altura de grande politização”, recorda Joana Stichini Vilela, mas “ninguém nos fala em política na revolução do Bairro Alto” numa fase inicial das entrevistas que fez – é certo que políticos, jornalistas e outros agentes por lá se moviam. “Depois, volta a juntar-se tudo”. Mas a história da movida do Bairro Alto é sobretudo a de música, artes plásticas, moda, design, de “criar”. Manuel Reis é “absolutamente fundamental”. Funda o Frágil, a Loja da Atalaia, impulsiona o Pap’açorda, e “o Bairro Alto é uma revolução estética” por um esteta, diz a jornalista, “que tinha um mundo que Portugal não tinha”, atalha Pedro Fernandes, e “que tem o toque de Midas de transformar isso em negócio e estilo de vida”, remata Stichini Vilela. Outros nomes, como o de Zé da Guiné, juntam-se na sua dinâmica. Um bairro de jornais, de fado, de vida local, recordam os autores, “que se regenera”. 

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Zé da Guiné Luís Neves/Arquivo

Acções em carrinhos de mão na Baixa

O polémico corretor Pedro Caldeira é o rosto do boom da Bolsa de Lisboa na década de 1980 e no livro conta como tinha escritórios na Baixa e nas Amoreiras – e como neles “tinha acções até ao telhado. Às 8h da manhã chegavam ao meu escritório, vindas dos bancos, em carrinhos de mão”. Mais tarde detido e depois absolvido de várias acusações de burla e abuso de confiança, um escândalo que abalou o mercado no início da década de 1990, Caldeira recorda uma época “para aventureiros e sonhadores”. Era Lisboa tomada pela febre bolsista, acabada de entrar na CEE, o passa-palavra faz parecer jogar na bolsa um abanar da “árvore das patacas”, diz Stichini Vilela. Pedro Caldeira “encarna um momento de excesso” e é “uma figura fascinante”, dizem a jornalista e o designer.

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Pedro Caldeira

Marcelo mergulha no Tejo

O actual Presidente da República lançou a sua campanha para a autarquia de Lisboa em 1989 mergulhando no Tejo, bem poluído. É um momento que “encerra o livro por uma questão cronológica, mas também pelo marketing – é um indício do que aí vem, o espectáculo a ganhar cada vez mais relevância”, diz Joana Stichini Vilela sobre a proeza que valeu a Marcelo uma hepatite . “A campanha  foi feita de coisas muito bizarras”, lembra Pedro Fernandes, “chegou a pensar em saltar do Cristo-rei de asa delta”, pagou 4 mil contos para dar rosas às lisboetas... Só na década seguinte outro político iria ter uma acção de campanha do mesmo calibre e, tal como Marcelo, perderia essa eleição. António Costa, actual primeiro-ministro e então candidato à Câmara de Loures, promovia uma corrida com um burro na Calçada de Carriche para provar que, com o trânsito, seria mais rápido de que num Ferrari. Foi.