Ministra da Justiça admite falta de magistrados especializados
"A extensão da especialização só a prazo melhorará a qualidade da resposta", reconhece Francisca Van Dunen.
A ministra da Justiça, Francisca van Dunem , admitiu esta sexta feira não ter nos tribunais tantos magistrados especializados quanto necessário.
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A ministra da Justiça, Francisca van Dunem , admitiu esta sexta feira não ter nos tribunais tantos magistrados especializados quanto necessário.
A especialização dos magistrados nas diferentes áreas, da família às questões laborais, passando pela criminalidade económico-financeira, é uma das bandeiras da reforma dos tribunais lançada em 2014 pela sua antecessora, a social-democrata Paula Teixeira da Cruz, e que Van Dunem não enjeita.
Mas enquanto Teixeira da Cruz sempre garantiu que a especialização de juízes e procuradores estava assegurada, a actual ministra disse esta sexta-feira, numa conferência sobre justiça organizada pela UGT, que não é bem assim: "Temos mais tribunais especializados, mas não temos tantos magistrados especializados assim". Ou seja, mesmo nos tribunais ditos especializados foram colocados juízes e procuradores que nem sempre dominam aquelas matérias como deviam.
"A extensão da especialização só a prazo melhorará a qualidade da resposta", reconheceu Van Dunem.
A governante observou ainda que a concentração dos processos nas capitais de distrito, operada igualmente pela reforma judiciária, fez aumentar as pendências: "A concentração resultante da intervenção no mapa judiciário fez subir o tempo médio de finalização dos processos de 24 meses, em 2013 para 36 em 2015".
Justiça não vai melhorar tão cedo
Para o antigo bastonário dos advogados Rogério Alves, também presente na conferência da UGT, uma coisa é certa: não irão registar-se, nos tempos mais próximos, melhorias significativas na justiça portuguesa. "Nem neste Governo, nem no próximo", vaticinou.
Advogado há três décadas, Rogério Alves leu dois dos palavrosos parágrafos que o programa do Governo dedica ao sector - um deles anunciando a criação de um conselho de concertação para o sistema judicial, outro dedicado ao desenvolvimento das capacidades de gestão dos tribunais. "É uma coisa que só de ler dá trabalho. Espero que nunca seja aplicado", observou sobre a primeira promessa. A segunda mereceu-lhe um comentário de teor semelhante: "Se isto fosse implementado as coisas ficariam um pouco pior do que estão".
O antigo bastonário entende que foram raras as vezes que os sucessivos governos acertaram quando tentaram resolver os problemas do sector, nomedamente os crónicos atrasos na resolução dos processos pendentes. "Para reduzir as pendências, tem-se aumentado o custo do acesso à justiça e - é um truque - limitado à ínfima espécie a possibilidade de recorrer das decisões judiciais", criticou. "Mas não é por aí que se resolvem as coisas". A formação de magistrados, via Centro de Estudos Judiciários, "é crucial", apesar de só produzir frutos a médio e longo prazo. Juntamente com a aposta nas novas tecnologias, é, segundo Rogério Alves, das poucas formas eficazes de tornar mais eficaz um sistema sobrecarregado com a procura.
A morosidade foi, de resto, também tema central da intervenção do líder da UGT: "Quaisquer efeitos de uma justiça menos eficiente são particularmente gravosos para os inúmeros trabalhadores que, recorrendo ao sistema judicial, vêem apenas tardiamente garantidos os seus direitos". Um reparo a que a ministra reagiu, ao assegurar que a justiça laboral é, pelo contrário, "dos segmentos com melhor desempenho" nos tribunais. E deu números: entre 2011 e 2015 o número de processos findos superou, numa média de cinco mil, o de processos entrados.
Mas será uma justiça célere compatível com uma justiça de qualidade? Laborinho Lúcio, que também já tutelou o sector, diz que é preciso definir, à partida, se estamos perante um Estado de direito democrático e social ou perante uma economia liberal de mercado. No segundo caso, os tribunais podem até vir a revelar-se uma despesa inútil: "Em vez disso, escolhe-se uma pessoa impoluta para atirar uma moeda ao ar e decidir qual das partes ganha determinada causa. É eficaz, rápido e honesto", ironizou.