Incêndios: haverá dragões na floresta portuguesa?

Perante o cenário de devastação da floresta pelo fogo, interrogo-me sobre os “monstros”: escondem-se na sombra da desordem; prosperam num cenário de pequenos reinos, ganham dimensão e ferocidade com as lendas e mitos; e assim que termina o terror voltam a ser seres imaginários e passam ao esquecimento. Haverá dragões?

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Perante o cenário de devastação da floresta pelo fogo, interrogo-me sobre os “monstros”: escondem-se na sombra da desordem; prosperam num cenário de pequenos reinos, ganham dimensão e ferocidade com as lendas e mitos; e assim que termina o terror voltam a ser seres imaginários e passam ao esquecimento. Haverá dragões?

Falta prevenção, mas há muita mistificação sobre isso. No último decénio, o aumento de verba para prevenção foi idêntico ao do combate: 15 milhões de euros/ano. Acrescentou-se aos fundos comunitários, o Fundo Florestal Permanente. Definiu-se um Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI). Foi isso suficiente?

Dos 2 mil quilómetros de “auto-estrada” de rede primária estão concretizados menos de 20%. São precisos 120 milhões de euros para fazer o que resta e 150 milhões de euros para manutenção até 2025. Fora a rede secundária, caminhos e pontos de água. Para atingir o objectivo da duplicação das Equipas de Sapadores Florestais (500) são precisos mais 100 milhões de euros. Significa que este modelo de PNDFCI necessita, no mínimo, de mais 30 milhões de euros/ano. É possível?

Os municípios têm já uma enorme centralidade no planeamento, representando 60% do investimento em prevenção e, mesmo assim, têm baixas taxas de execução (40%) dos Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios. Podem aumentar o seu esforço?

É possível aumentar o esforço em prevenção, por exemplo, através do Fundo de Ambiente. Mas é preciso rever o modelo, adaptando-o às diferentes realidades fundiárias do país. Importa estimular a racionalização dos meios, através do associativismo intermunicipal, em zonas homogéneas e em função do risco, procurando estabelecer prioridades de intervenção e promovendo a melhoria da eficácia destes planos. E avaliar o custo/benefício económico, social e ambiental.

Depois, interrogo-me sobre os proprietários, que acusamos de abandonarem os seus terrenos (e não confundo com terras sem dono, que tem enquadramento jurídico apropriado). E tento perceber porque o fazem. Concluo que o minifúndio não gera valor suficiente e que o abandono é uma consequência económica de ciclos de perda. Logo, se não há rentabilidade como pode haver investimento privado em prevenção?

Lembro-me, então, das Zonas de Intervenção Florestal criadas para promover a gestão agregada do território, mas a sua acção ficou aquém da expectativa. Também os baldios tinham obrigações de reinvestimento que estão longe de ser cumpridos. Concluo que a gestão conjunta requer um novo enquadramento legislativo, que reforce o poder de intervenção das ZIF e das Associações de Compartes nos Baldios.

Mas também novos modelos. É importante a criação de Sociedades de Gestão Florestal (previstas no programa do governo), flexíveis e adaptadas a todos os terrenos, independentemente da dimensão da propriedade. Mas, também, projectos de intervenção integrados, como se vislumbra em Mação. E que o cadastro rústico e a regularização da situação predial deixem a dimensão de lenda.

Por fim, os “negligentes ocupantes” do espaço rural, que têm comportamentos de risco. E neste ponto afirmo que nos últimos anos, não fora a GNR, e a sensibilização era residual. Ora é óbvio que temos de sensibilizar todos e alertar para o problema que continua a existir.

E, claro, os incendiários. Serão dragões?

Professor da Universidade do Algarve, Relator do Grupo de Trabalho da “Análise da Problemática dos Incêndios Florestais da Assembleia da República”, em 2014