Da reversão no peso da nota de Educação Física
O acesso ao ensino superior é, deveria ser, um outro processo que se desenrolaria sob a responsabilidade do ensino superior sendo que a média final seria, evidentemente um critério a ter em conta, mas não o único.
O Ministério da Educação decidiu que a partir de 2017/18 a nota de Educação Física volta a contar para o cálculo da média final no acesso ao ensino superior. O secretário de Estado da Educação referiu ainda a introdução de ajustamentos curriculares na disciplina. Estamos perante mais uma reversão, para recorrer a um termo em moda.
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O Ministério da Educação decidiu que a partir de 2017/18 a nota de Educação Física volta a contar para o cálculo da média final no acesso ao ensino superior. O secretário de Estado da Educação referiu ainda a introdução de ajustamentos curriculares na disciplina. Estamos perante mais uma reversão, para recorrer a um termo em moda.
O desinvestimento na disciplina de Educação Física foi nítido sobretudo durante a liderança de Nuno Crato no Ministério da Educação. Deste processo duas decisões importantes devem ser recordadas:
– Em primeiro lugar a redução em 2012 da carga horária da disciplina no 3.º ciclo e no ensino secundário.
– Através de uma segunda decisão também desse ano, a nota da disciplina de Educação Física deixou de entrar no cálculo da média final do ensino secundário para efeitos de acesso ao ensino superior, embora fosse considerada para alunos que pretendessem prosseguir estudos nesta área ou para cálculo da média de conclusão de estudos secundários.
A medida evidenciou desde logo um aspecto incompreensível, a atribuição de um estatuto de segunda a uma disciplina que como outras de carácter geral integram os currículos.
Por outro lado, a decisão de diminuir a carga horária nas novas matrizes curriculares contrariava orientações europeias que sugerem o trajecto contrário.
A decisão parece ainda mais insustentável se considerarmos que vivemos num país caracterizado por um excesso de sedentarismo nos estilos de vida dos jovens.
Na verdade, se um dos grandes problemas que afecta a qualidade de vida de adolescentes e jovens (mas não só) é, justamente, o sedentarismo e o baixo envolvimento em actividades físicas, como compreender o desinvestimento na disciplina de Educação Física?
Recordo um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 que sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17.424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e as óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos mostrava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios claros na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
Voltando à questão da Educação Física, a razão da decisão de retirar a nota do cálculo da média de acesso remetia para um potencial enviezamento que as notas de Educação Física poderão ter no acesso ao Ensino Superior, o velho exemplo do aluno que quer ser médico mas não tem "jeito para a ginástica". Eventualmente, poderá acontecer também falta de "jeito para a Filosofia ou para o Inglês" sem que se justifique retirar estas disciplinas do cálculo da média de acesso. Aliás, várias posições conhecidas após o anúncio da reconsideração da nota de Educação Física no dispositivo de acesso ao ensino superior retomaram este argumento.
No entanto, do meu ponto de vista, esta questão só acontecia e acontece porque, digo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior se sobrepõem quando deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam ainda todas as modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como o ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é, deveria ser, um outro processo que se desenrolaria sob a responsabilidade do ensino superior sendo que a média final seria, evidentemente um critério a ter em conta, mas não o único.
Parece-me pois importante que a Educação Física recupere um estatuto de disciplina nobre e que, por outro lado, se considere a necessidade de repensar o dispositivo de acesso ao ensino superior.
Professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA)