Aquela besta
Somos todos culpados. Mas alguns são mais culpados do que outros.
Compare-se o número de animais que os seres humanos matam (incluindo seres humanos) com o número de animais (incluindo seres humanos) que matam seres humanos.
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Compare-se o número de animais que os seres humanos matam (incluindo seres humanos) com o número de animais (incluindo seres humanos) que matam seres humanos.
No sábado, por ter virado uma esquina e parado para encontrar as chaves do carro, ouvi uma pessoa de quem tinha acabado de me despedir amistosamente referir-se a mim como “aquela besta”.
Gosto de “aquela besta”. Pode não ser permitido por lei tratarmo-nos, por escrito, como bestas, mas, quando falamos sem filtro, não deixa de ser verdade que somos todos bestas. Não só as bestas não são assim tão más — para não falar na falta de hipocrisia sádica das cavalgaduras, dos camelos e das alimárias —, como nós os seres humanos somos muito piores.
Quando as bestas (excluindo seres humanos) falam hipoteticamente de animais horríveis —se é que falar não é indissociável da crueldade —, deveriam dizer, com desprezo e ódio merecidos, “aquele ser humano”.
Para as pessoas que, como eu, comem animais que foram mortos para serem comidos, o mínimo que podemos fazer é reconhecer que somos inferiores à maioria das bestas.
O mínimo que podemos fazer é envergonharmo-nos de sermos cúmplices de tanta crueldade. Deveríamos deixar de nos orgulharmos estupidamente por comer carne só uma vez por mês ou — mais dificilmente — peixe selvagem todos os dias.
Somos todos culpados. Mas alguns são mais culpados do que outros. A questão não é de sim ou não: é de zero a cem no grau da mortandade gulosa. Simplificar é cúmplice de matar. A besta sou eu.