BCE diz que não dá ordens sobre salários nos bancos, mas não fala da CGD
Autoridade de supervisão diz não ter “competência para instruir” governos da zona euro a restringirem limites salariais na banca.
O Banco Central Europeu (BCE) recusa-se a esclarecer se deu, ou não, instruções ao Governo português para eliminar os tectos salariais dos administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Banco Central Europeu (BCE) recusa-se a esclarecer se deu, ou não, instruções ao Governo português para eliminar os tectos salariais dos administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
O tema dos vencimentos da nova equipa de gestão do banco público voltou a gerar polémica desde que o ministro das Finanças, Mário Centeno, revelou no Parlamento que o novo presidente executivo, António Domingues, vai ganhar 423 mil euros por ano e que os vogais executivos vão auferir um salário de 337 mil euros anuais. A falta de esclarecimentos do BCE sobre o seu papel em relação ao fim dos tectos salariais é, porém, anterior a esta polémica, e ficou patente numa resposta a uma pergunta enviada à instituição pelo eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes.
O fim dos tectos salariais remonta a uma das fases do processo de reorganização grupo bancário, quando a 8 de Junho o Governo de António Costa aprovou um decreto-lei que alterou o Estatuto do Gestor Público, permitindo na prática que este não se aplique aos administradores da Caixa. Foi então que o eurodeputado do PSD, dos democratas-cristãos, quis saber qual foi o papel do BCE, a quem cabe a supervisão da CGD através do mecanismo único de supervisão.
A pergunta foi colocada a 12 de Julho (através Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu) e 13 dias depois chegava a resposta de Frankfurt, assinada pela presidente do Conselho de Supervisão do mecanismo único de supervisão, Danièle Nouy. Escudando-se no “segredo profissional”, o BCE não esclarece nada sobre o banco público, segundo a carta a que o PÚBLICO teve acesso. Mas ressalva, de forma abstracta, que a autoridade europeia não tem competência para “instruir” os governos da zona euro sobre legislação nacional que tenha a ver com as remunerações nos bancos. No entanto, como o PÚBLICO já noticiou, o esquema remuneratório da CGD foi aprovado pelo Governo com o “carimbo” do BCE, com quem foi negociado o processo de reorganização da Caixa.
“No que diz respeito à questão que coloca sobre se o BCE pediu ou deu instruções para o Governo de Portugal eliminar os tectos salariais dos administradores de um banco, permita-me realçar que, de acordo com o disposto no Acordo Interinstitucional, as obrigações de apresentação de relatórios ao Parlamento Europeu estão sujeitas aos requisitos aplicáveis em matéria de segredo profissional, tal como estabelecido na directiva relativa aos requisitos de fundos próprios (DRFP IV)”, escreve Danièle Nouy, referindo-se às regras europeias sobre o “acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento”.
Sustentando-se no facto de esta ser informação sigilosa, argumenta que “não é possível tecer comentários sobre as medidas de supervisão tomadas em relação a instituições específicas nem sobre as interacções com as autoridades nacionais no que concerne à supervisão dos bancos”.
A carta termina com uma afirmação abstracta onde Danièle Nouy faz a defesa do BCE. Sem nunca falar da CGD, nem do Governo português, conclui: “Gostaria, contudo, de acrescentar que não foi atribuída ao BCE qualquer competência para instruir os governos dos Estados-Membros no sentido de revogar legislação que restrinja as remunerações”.