Como é que as marcas não sabem que há refugiados a trabalhar ilegalmente nas suas fábricas?

Investigação da BBC encontra trabalho ilegal de refugiados sírios, alguns deles crianças, em fábricas de roupa na Turquia. Marks&Spencer, Asos, Mango e Zara defendem as suas inspecções. ONG pede mais acção.

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A maior parte dos refugiados a trabalhar ilegalmente na Turquia são crianças Kham/Reuters

As roupas estão penduradas, imaculadas, numa loja da Marks&Spencer em Londres. Quem as passou a ferro? Terá sido uma criança síria, que está 12 horas por dia a lidar com ferros e vapores, ganhando pouco mais de um euro por hora? E quem deu o ar usado àquelas calças de ganga na montra da Mango ou da Zara? Terá sido um refugiado sírio a trabalhar, ilegalmente, as mesmas 12 horas por dia numa fábrica num beco em Istambul?

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As roupas estão penduradas, imaculadas, numa loja da Marks&Spencer em Londres. Quem as passou a ferro? Terá sido uma criança síria, que está 12 horas por dia a lidar com ferros e vapores, ganhando pouco mais de um euro por hora? E quem deu o ar usado àquelas calças de ganga na montra da Mango ou da Zara? Terá sido um refugiado sírio a trabalhar, ilegalmente, as mesmas 12 horas por dia numa fábrica num beco em Istambul?

Os casos são alguns dos apresentados pelo programa de investigação Panorama, da televisão britânica BBC, que denuncia o trabalho de refugiados sírios sem documentos, muitos deles menores, em fábricas na Turquia que fazem roupa para marcas como as britânicas Marks & Spencer e Asos, ou as espanholas Mango e Zara.

Todas estas marcas, sublinha a BBC, dizem que supervisionam as suas cadeias de fornecimento e não aceitam trabalho infantil ou de refugiados a trabalhar ilegalmente.

O problema, diz a organização Business & Human Rights Resource Center, que já em Janeiro divulgou um relatório sobre o trabalho de refugiados nas fábricas de têxteis da Turquia, é que os mecanismos de supervisão das marcas, apesar de incluírem inspecções, não são suficientes.

Uma das razões é que as roupas não vêm todas das fábricas que a marca conhece e visita, havendo um sistema de subcontratação que escapa ao radar das inspecções, disse ao PÚBLICO, por telefone, Danielle McMullan, do Business & Human Rights Resource Center.

A Turquia, que é já o sexto fabricante de têxteis do mundo, recebeu um grande número de refugiados da Síria: cerca de três milhões, dos quais metade, segundo a UNICEF, são menores. Um estudo da Universidade de Hacettepe, em Ancara, citado pela emissora árabe Al-Jazira, dizia que um refugiado a trabalhar na Turquia será mais provavelmente um menor do que um adulto. As crianças aprendem mais rapidamente a língua, e têm mais facilidade em encontrar trabalho ilegal. A Turquia tem dado autorizações de trabalho a refugiados, mas apenas aos mais qualificados. Segundo o Alto-Comissariado da ONU para os refugiados (ACNUR), mais de dois milhões de sírios não têm autorização para trabalhar na Turquia.

A investigação do Panorama diz que apesar de a marca britânica Marks&Spencer não ter encontrado um único refugiado sírio a trabalhar nas instalações dos seus fabricantes na Turquia, o jornalista do Panorama Darragh MacIntyre encontrou sete sírios num dos locais, a ganhar pouco mais de uma libra (1,12 euros) à hora. O mais jovem tinha 15 anos e passava 12 horas a passar roupa a ferro antes de esta ser enviada para o Reino Unido. “Se alguma coisa acontecer a um sírio, deitam-no fora como a um pedaço de tecido”, disse um dos refugiados, explicando o tratamento que recebem na fábrica.

A marca reagiu dizendo que oferecerá emprego legal permanente a quaisquer trabalhadores ilegais sírios que sejam encontrados em fábricas que produzam para si.

Outra fábrica em que o repórter da BBC encontrou crianças sírias estava a fabricar roupa para a loja online Asos. A empresa disse que esta não era uma fábrica aprovada por si. Desde a denúncia, a empresa inspeccionou-a e encontrou 11 adultos sírios e três com menos de 16 anos a trabalhar.

Noutra fábrica turca foram encontrados vários refugiados sírios a trabalhar com gangas, com químicos que dão ao tecido um ar mais gasto, para as empresas espanholas Mango e Zara. Doze horas por dia, sem qualquer protecção para estes produtos.

A Mango diz que a fábrica era subcontratada; a Inditex, grupo da Zara, refere que tinha encontrado irregularidades numa auditoria em Junho e que deu à fábrica até Dezembro para melhorar.

Para Danielle McMullan, as auditorias não são a melhor solução por causa da subcontratação, em que a própria marca nem sempre sabe quais as fábricas a trabalhar para si. É essencial, diz a responsável, que as marcas trabalhem com sindicatos e organizações locais, que têm melhor informação sobre o que se passa no terreno.

E deixa um outro alerta: “A chegada de um enorme número de refugiados à Turquia faz com que haja um conjunto de circunstâncias único. Mas os problemas de trabalho infantil e ilegal na indústria têxtil acontecem noutros países: são problemas globais da indústria.”