Vítor Gaspar defendia salários da Caixa sem limite dos gestores públicos
O antigo ministro das Finanças, Vítor Gaspar, defendia que a CGD não estivesse sujeita ao Estatuto do Gestor Público e chegou a propor um salário de 20 mil euros para o presidente do banco público
O antigo ministro das Finanças, Vítor Gaspar propôs em 2012 que os salários da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não estivessem limitados pelo Estatuto do Gestor Público e antes disso, em 2011, já tinha defendido que o presidente, com base no perfil da instituição, recebesse um salário mensal acima dos 20 mil euros. A exclusão da CGD do estatuto do gestor público foi, no entanto, recusada pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O antigo ministro das Finanças, Vítor Gaspar propôs em 2012 que os salários da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não estivessem limitados pelo Estatuto do Gestor Público e antes disso, em 2011, já tinha defendido que o presidente, com base no perfil da instituição, recebesse um salário mensal acima dos 20 mil euros. A exclusão da CGD do estatuto do gestor público foi, no entanto, recusada pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
A troca de argumentos entre Vítor Gaspar e Passos Coelho decorreu no primeiro semestre de 2012 já depois de estarem em vigor as alterações ao Estatuto do Gestor Público (Janeiro de 2012) que se aplicavam aos titulares dos órgãos sociais das empresas estatais e onde se incluía a CGD.
Simultaneamente discutia-se a recapitalização da Caixa que viria a ser aprovada pelo Governo a 27 de Junho. O Governo decidiu injectar 1650 milhões de euros no banco público, dos quais 750 milhões através de um aumento de capital subscrito pelo accionista Estado e 900 milhões pela emissão de obrigações de capital contingente (CoCo’s) totalmente subscritas também pelo Estado.
Vítor Gaspar sustentou que a governação da instituição estatal deveria ser paga de acordo com os critérios da lei bancária, e ajustados às responsabilidades de cada gestor e à dimensão e à complexidade do maior grupo bancário do país. E também ao seu perfil de risco. E previa imposições fortes à remuneração variável.
Já no final de 2011, o então ministro, que está agora no Fundo Monetário Internacional (FMI), avançou com um estatuto salarial para a Caixa distinto do que foi exigido posteriormente por Pedro Passos Coelho, mas também diferente do decidido pelo actual Governo.
O despacho assinado por Vítor Gaspar defendia uma tabela remuneratória mensal (14 meses por ano), com o presidente da Comissão Executiva a receber 19.258,88 euros por mês, os vogais executivos 13.481,60 euros; o presidente do Conselho de Administração (não executivo) 16.370,24 euros, os vogais não executivos 2.888,83 euros e o presidente da Comissão de Auditoria-Remunerações 3.851,78 euros.
Estes valores, segundo o despacho a que o PÚBLICO teve acesso, já eram líquidos dos cortes salariais aplicados à administração pública pelo que o valor bruto era superior.
Passos Coelho não acolheu, todavia, as recomendações de Vítor Gaspar e sujeitou a CGD ao espartilho do EGP que, em termos gerais, impedem um administrador de uma empresa estatal de auferir mais do que o primeiro-ministro, cujo ordenado é de 6.576,2 euros.
Para aliviar a pressão e conseguir atrair gestores do sector privado, foi aberta uma excepção: um administrador podia optar por ter um salário que fosse a média dos três últimos vencimentos antes da entrada em funções. E sem imposição de limites.
Esta prorrogativa foi a escolhida pela generalidade dos gestores da CGD em funções entre 2012 e 2016, o que lhes permitiu ultrapassar a fasquia do salário do primeiro-ministro. Mas a solução abriu a porta a uma grande discrepância salarial dentro da equipa de gestão para cargos e as funções equiparáveis.
O anterior presidente executivo, José Matos, auferia 16.500 euros (cerca de metade do que António Domingues vai receber), quase o dobro do seu vice-presidente Nuno Thomaz, 8.647 euros, cuja remuneração era menor do que a dos restantes vogais: José Pedro Cabral dos Santos (11.424,33 euros), Ana Cristina Leal (12.703,17 euros), Maria João Carioca (12.039,21 euros) e Jorge Cardoso (13.887 euros).
Mas mesmo estes valores foram o resultado de uma limitação informal. O PÚBLICO sabe que os administradores executivos António Nogueira Leite e João Nuno Palma, pela aplicação da remuneração média dos últimos três anos, ficariam a ganhar entre 22 e 28 mil euros por mês, mas tal não aconteceu porque Vítor Gaspar os chamou para lhes dizer que aqueles valores era muito elevados e não aceitáveis e fixou uma remuneração a rondar os 13.481 euros. Já o anterior presidente não executivo, Álvaro Nascimento (chairman), arrecadava 7.704,2 euros.
Este quadro de distorções salariais no banco público gerou uma ida de Paz Ferreira, à época administrador não executivo, ao Ministério das Finanças para entregar uma “reclamação escrita”, o que o próprio confirmou ao PÚBLICO.
Nas Finanças foi recebido pelo ex-chefe de gabinete de Vítor Gaspar, Pedro Machado, que confessou a Paz Ferreira ter feito diligências para reverter a situação. O ex-chefe de gabinetes admitiu, no entanto, a Paz Ferreira que tinha sido “derrotado em toda a linha.” Pedro Machado defendia que a governação do banco do Estado devia estar fora do EGP e ser remunerada segundo os critérios apresentados por Vítor Gaspar a Passos Coelho.
Com a saída de Vítor Gaspar do Governo PSD-CDS, Pedro Machado transitou, primeiro para o Banco de Portugal, com funções no departamento de supervisão, e posteriormente para a consultora PricewaterhouseCoopers onde está actualmente.
Com a eleição de António Costa para chefiar o Governo os ordenados dos gestores deixaram de estar sujeitos aos constrangimentos anteriores, o que terá sido uma exigência do novo presidente da Caixa.
Os salários da administração da CGD passam agora a alinhar com a prática do BPI, de onde vem António Domingues, que vai auferir quase tanto quanto ganha Fernando Ulrich (33 mil euros). Isto apesar de o BPI ser, em termos de dimensão, um banco que é metade da Caixa e sem a sua complexidade.
O ministro das Finanças Mário Centeno já explicou que o cálculo das remunerações está em linha com os do mercado. E não explicou se na base estão critérios que atendam ao perfil da instituição (nomeadamente de risco), como defendia Gaspar e a que se opunha Passos Coelho. Uma matéria que chama a atenção, desde logo porque o accionista Estado vai assumir a maior parte dos 4600 milhões que vão ser injectados na Caixa, que está a ser alvo de uma reestruturação profunda com despedimentos e fecho de balcões.
Esta quinta-feira na RTP3, no programa 360º, o ex-administrador Paz Ferreira deixou um aviso: a Caixa está a ser encarada como banco meramente comercial e vai deixar de cumprir a sua vocação pública, desinvestindo e promovendo a desertificação do país.
Num país onde o salário mínimo é de 530 euros (14 vezes), e o Presidente da República aufere 6.523 euros, o primeiro-ministro 6.576,2 euros e o governador do Banco de Portugal 15.234,14 euros, a discussão dos salários dos banqueiros é sempre politicamente sensível.
É expectável que António Costa tenha abordado com o Presidente da República e os dois parceiros, o PCP e o BE, a estratégia salarial a aplicar aos órgãos sociais da CGD. Mas uma coisa é dar concordância a leis genéricas e a princípios, outra é encarar de frente com os números. E a divulgação de que toda a gestão da CGD (executiva e não executiva) vai receber anualmente 2,6 milhões de euros (quase tanto quanto ganha o presidente da EDP, António Mexia), arrancou com um coro de protestos por parte de todos: PCP, BE e oposição. A excepção foi a PS que considera não haver assunto para a polémica.
Já o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa apareceu, numa das raras vezes, a demarcar-se do Governo. Esta quarta-feira, 19 de Outubro, numa ida a Braga, alertou para o facto de ter tomado precauções ao alertar para que os vencimentos tivessem em linha de conta “o resultado da gestão, para não ficar a sensação de que havia valores muito elevados não acompanhados de resultados positivos”. E deixou o argumento: “Se há fundos públicos, não é possível nem desejável pagar o que se pagaria se fosse um banco privado sem fundos públicos.”