Duas embarcações do século XIX descobertas no Campo das Cebolas
As embarcações encontradas na frente ribeirinhas de Lisboa seriam de pequena dimensão e destinar-se-iam ao transporte de mercadorias no estuário do Tejo.
Quatro anos depois de terem sido descobertos dois navios seiscentistas em escavações arqueológicas na Avenida 24 de Julho, os trabalhos em curso no Campo das Cebolas revelaram a existência de duas embarcações, desta feita do século XIX. O achado, raro, é visto como um importante testemunho da ligação de Lisboa ao rio.
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Quatro anos depois de terem sido descobertos dois navios seiscentistas em escavações arqueológicas na Avenida 24 de Julho, os trabalhos em curso no Campo das Cebolas revelaram a existência de duas embarcações, desta feita do século XIX. O achado, raro, é visto como um importante testemunho da ligação de Lisboa ao rio.
Uma das embarcações agora encontradas no Campo das Cebolas, durante a obra de construção de um parque de estacionamento e de arranjo do espaço público, ainda está submersa. A outra, como o PÚBLICO constatou durante uma visita ao local, está já visível, tendo vindo pouco a pouco a ser retirada do lodo que a envolvia.
“Os dados ainda são muito preliminares. Conseguimos identificar parte da proa e estamos a ver os limites. Estamos a tratar da parte do casco”, explica Brígida Baptista. A arqueóloga nota que a segunda embarcação “está muito partida”, situação que atribui ao facto de ter sido abandonada naquela que era “uma zona de lodos” e não a uma ocorrência excepcional como um naufrágio.
“Está praticamente limpa. Vamos começar a parte de registo fotográfico, das madeiras, de compreensão da embarcação”, acrescenta, antecipando pelo menos mais uma semana de trabalho no local em torno deste achado.
Quanto à primeira embarcação, a tal que por enquanto ainda está submersa, Brígida Baptista adianta que ela “parece ser maior e estar melhor conservada”. Junto a ela, constata a arqueóloga, foram encontrados “dois cais em madeira, que dariam acesso ao rio”.
Segundo Brígida Baptista (que é a responsável pela componente de náutica e subaquática das escavações arqueológicas em curso no Campo das Cebolas), ambas as embarcações, do século XIX, seriam “de âmbito regional”. Com dimensões reduzidas, serviriam para transportar mercadorias ao longo do estuário do Tejo.
“Embarcações são sempre embarcações”, diz por sua vez a directora científica das escavações, quando questionada sobre a importância deste achado. “Não é muito comum encontrar. É sempre um motivo de entusiasmo”, acrescenta Cláudia Manso.
Quanto àquele que será o futuro das embarcações, Brígida Baptista refere que será a Direcção-Geral do Património Cultural a definir qual será o “local de depósito” dos materiais. Antes de as embarcações serem desmontadas e de as madeiras que as constituem serem transportadas, frisa, será feito o seu registo fotográfico e trabalhada a “questão da tipologia” e do “espólio associado”.
No final de 2012, foram encontradas duas embarcações seiscentistas na Avenida 24 de Julho, durante as obras de construção da sede da EDP. Tanto essa descoberta como aquela que foi agora feita, e que é já de um contexto contemporâneo, são fruto de um trabalho arqueológico pouco habitual e constituem testemunhos da muito longa ligação de Lisboa ao rio.
Nesta que é a segunda fase dos trabalhos que a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel) está a desenvolver no Campo das Cebolas foi também revelado um painel de calçada portuguesa. “É uma calçada muito interessante”, observa Cláudia Manso, constatando que se trata de um painel do século XIX, bicolor, em calcário e basalto.
A directora científica das escavações sublinha que está a ser feita “uma recolha integral dos materiais arqueológicos” encontrados no local, que são depois submetidos a um processo de crivagem “com várias malhas”. “Já temos vários caixotes de materiais”, diz, enquanto mostra os dois contentores nos quais esses caixotes estão a ser armazenados.
De um aterro do século XVI, avança Cláudia Manso, foram já retirados vários materiais orgânicos, como bolotas e caroços de pêssego e ameixa. Desse mesmo aterro foram também retiradas moedas, “cachimbos de caulino”, vidros que “parecem ser de importação”, azulejos e cerâmicas, materiais que a arqueóloga constata puderem ser “tipicamente” encontrados num contexto como este.
A mesma responsável adianta que está a ser montado no estaleiro da obra “um laboratório”. A ideia, segundo explica, é que aí seja feita uma nova lavagem dos vestígios descobertos e uma separação dos mesmos consoante a sua tipologia, passos aos quais se seguirão a sua inventariação e registo fotográfico.
De acordo com Cláudia Manso, nestas escavações arqueológicas (que estão a ser desenvolvidas por um consórcio formado pelas empresas Arqueologia e Património, Empatia Arqueologia e Império Arqueologia) está a trabalhar uma equipa de “cerca de 50 pessoas”, que poderá ser “reforçada, consoante os vestígios que vão surgindo”. Nas embarcações, precisa, trabalham “colegas só de náutica e subaquática, que é uma área muito específica”.
Obras prontas em Abril
As obras de construção de um parque de estacionamento subterrâneo e de arranjo do espaço público no Campo das Cebolas deverão estar concluídas “no final de Abril” de 2017. Essa é a expectativa da Emel, transmitida por Gonçalo Bugia, da área de gestão de empreitadas da empresa.
O projecto que está a ser concretizado é do arquitecto Carrilho da Graça e vai incorporar parte do paredão e a escadaria do Cais da Ribeira Velha, erguido no local depois do terramoto de 1755. Estas estruturas foram reveladas há alguns meses (durante uma primeira empreitada na qual os trabalhos arqueológicos estiveram a cargo da ERA - Arqueologia), tendo surpreendido os arqueólogos pelo bom estado de conservação em que se encontravam.
A intenção é que a escadaria do século XVIII passe a ser utilizada pelos automobilistas que estacionem no parque para chegar à sua viatura ou para aceder ao exterior.