Faro nunca poderia vender escultura sem autorização do ministro da Cultura

Especialistas dizem que os bens dos museus são inalienáveis e condenam Faro por ter equacionado a venda de uma escultura angolana.

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O Museu Municipal de Faro não pode vender qualquer das suas peças, disse ao PÚBLICO o gabinete do ministro da Cultura. A escultura africana que faz parte da colecção do museu e que recebeu este ano uma proposta de compra por dois milhões de euros de uma galeria britânica não pode ser negociada e vendida, em qualquer circunstância, sem autorização do ministro da Cultura, acrescentou Teresa Bizarro, assessora de imprensa de Luís Filipe Castro Mendes.

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O Museu Municipal de Faro não pode vender qualquer das suas peças, disse ao PÚBLICO o gabinete do ministro da Cultura. A escultura africana que faz parte da colecção do museu e que recebeu este ano uma proposta de compra por dois milhões de euros de uma galeria britânica não pode ser negociada e vendida, em qualquer circunstância, sem autorização do ministro da Cultura, acrescentou Teresa Bizarro, assessora de imprensa de Luís Filipe Castro Mendes.

De acordo com a Lei-Quadro dos Museus Portugueses, de 2004, “os bens culturais incorporados em museus municipais integram o domínio público municipal” e “não podem ser vendidos”, respondeu o gabinete, depois de interrogado pelo PÚBLICO sobre a possibilidade de um museu municipal vender peças do seu acervo. “Nos termos da mesma lei, a desafectação do domínio público de bens incorporados em museus carece de autorização do ministro da Cultura, ouvido o Conselho Nacional de Cultura. Só depois dessa desafectação é que os bens poderão ser vendidos.” O Ministério da Cultura não recebeu qualquer pedido de Faro.

Na reunião do executivo da Câmara Municipal de Faro desta segunda-feira, a proposta da galeria britânica Entwistle para comprar esta peça do tipo nkisi nkondi foi rejeitada por unanimidade, tendo nessa altura a oposição socialista acusado o executivo do PSD de estar a tentar delapidar os bens culturais da cidade. Contactada pelo PÚBLICO, a galeria de Londres especializada em arte africana não esteve disponível para esclarecer o negócio proposto à câmara. “Com todo o respeito, preferimos não comentar”, respondeu por e-mail Christian Elwes, responsável pela comunicação na galeria.

Nunca aconteceu

Paulo Costa, director do Museu Nacional de Etnologia, a instituição portuguesa de referência para a arte africana, disse que ficou muito surpreendido com a notícia da reunião de câmara: “Mais do que surpreendido com o valor, porque podiam ser três milhões ou 100 mil euros, fiquei surpreendido pelo facto de um dealer de arte africana estrangeiro ter achado que podia comprar peças pertencentes a colecções públicas nacionais, mesmo sendo uma colecção municipal.”

O antropólogo é da opinião de que a peça nunca poderá sair do domínio público, porque, “sendo um bem museológico, é inalienável segundo a lei”. Logo que entra no museu, “a peça fica submetida a uma figura de protecção legal que decorre dessa incorporação e que é o inventário”, explica Paulo Costa, que durante muitos anos, enquanto técnico superior da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), lidou com este normativo de salvaguarda. Depois disso, “há ainda outro filtro”, que é a Lei de Bases do Património Cultural, de 2001. “É um mecanismo que vela pela protecção do património cultural no sentido mais amplo. Obriga a uma autorização de exportação definitiva. A peça teria que enfrentar esse pedido feito à DGPC. Seria mais um empecilho à venda, um novo filtro.”

O especialista em museus Manuel Bairrão Oleiro acha “a posição da câmara absolutamente estranha”. “Tanto quanto me lembro, é a primeira vez que uma câmara municipal põe a hipótese de vender uma peça do museu que é gerido por ela. Isso nunca aconteceu e francamente não percebo como pode ser equacionada uma possibilidade dessas”, afirmou o assessor para a área dos museus da EGEAC, a empresa municipal que gere os equipamentos culturais na cidade de Lisboa. Bairrão Oleiro, que já dirigiu o Instituto Português de Museus (actualmente parte da DGPC), defende ainda que, se a escultura não interessa à câmara de Faro, “porque não se enquadra nas colecções do museu, a autarquia devia procurar depositá-la ou entregá-la a outro museu onde ela fizesse sentido”. 

Aumentar o seguro

Logo na segunda-feira, a Câmara de Faro anunciou que ia redobrar o valor do seguro do acervo do museu e prometeu dar à escultura nkisi nkondi com quase um metro de altura, que se encontra nas reservas da instituição, a projecção pública que merece. Nesta sexta-feira, o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, atribuiu as críticas do PS à luta partidária: “Daqui por um ano há eleições.”

Quanto à razão que o levou a colocar o assunto à consideração da vereação, foi por entender que não devia tomar uma decisão sozinho. “Tinha uma proposta em cima da mesa, não poderia dizer não vendo.” A eventual alienação, acrescentou, implicaria uma aprovação pelo executivo e pela assembleia municipal, “seguindo depois os necessários procedimentos, incluindo a autorização do Ministério da Cultura”.

Neste caso, o resultado da primeira votação foi, por unanimidade, dizer “não” à oferta. Sobre o valor, adianta ter "informação de que a peça valerá mais de dois milhões”, e sublinhou que uma eventual alienação implicaria sempre uma avaliação independente.

com Idálio Revez