“Sem dúvida que o país já saiu da emergência”
Só a desconfiança que este Governo gera custa, em juros, 350 milhões por ano ao país, acusa Passos Coelho.
Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente do PSD classifica o Orçamento de 2017 como "mau". E acusa António Costa de implementar um "agravamento de impostos que vem para ficar".
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Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente do PSD classifica o Orçamento de 2017 como "mau". E acusa António Costa de implementar um "agravamento de impostos que vem para ficar".
Considerou que o OE2017 é um “embuste” porque o Governo está “a transformar em impostos permanentes aquilo que tinha sido apresentado como uma solução de emergência”. Considera que o país já saiu da emergência?
Sem dúvida que o país já saiu da emergência. Estado de emergência é ter necessidades para as quais não temos recursos. Isso aconteceu em 2011 e durante os anos em que sabíamos que só recebíamos as tranches desses empréstimos na medida em que cumpríssemos os objectivos que estavam previamente definidos e que eram verificados a cada três meses. Essa foi uma situação de emergência. Actualmente o país está a crescer, tem perspectivas para futuro, que eu presumo que não sejam comparáveis às que tinha em 2011. Tem problemas para resolver, com certeza. Mas não se podem considerar de emergência financeira. Tivemos tempo para reduzir as nossas necessidades e essa é a razão porque estamos de certa maneira a substituir medidas de emergência por medidas de normalidade, digamos assim. Ou pelo menos deveria ser assim.
O Estado português continua condicionado por compromissos. E eles ainda obrigam a manter alguma austeridade, certo?
Prefiro dizer de outra maneira. O país ainda tem défice público, tem um elevado nível de dívida que precisa de garantir que será assumida. E isso são restrições que não são impostas nem pela Comissão Europeia, nem pelos nossos credores, são resultantes da situação do próprio país. Ainda tem questões que precisa de resolver, mas elas não têm a dimensão dos problemas de 2010 e 2011. Nós herdámos um défice público de quase 11%. Portanto, a situação não é a mesma. Mas as circunstâncias que nós temos são estas: ainda temos défice, precisamos de o reduzir. Como temos responsabilidades, sendo devedores e precisamos de as honrar. É evidente que o país tem de ir financiando o seu crescimento, ao mesmo tempo que vai observando a restrição financeira.
Maria Luís Albuquerque disse que o OE2017 traz “um aumento generalizado de impostos” e é um OE de “sobrevivência política” do Governo. O OE não é sempre feito por todos os governos como um instrumento de sobrevivência? As contas públicas são o documento central de uma governação.
Concordo com a segunda parte da pergunta e não concordo com a primeira. Eu empenhei-me quando estive no Governo em que as contas públicas melhorassem em cada ano que passava. Mas tomei muitas medidas para esse efeito que não estavam a responder à preocupação da sobrevivência do Governo, mas em garantir que nós atingíamos aquelas metas e aqueles objectivos. É isso que a drª. Maria Luís Albuquerque quer significar. O país precisava, nesta fase de ter uma redução do défice que não fosse pressionada pela necessidade de aumentos generalizados de impostos, nem de redução forçada do investimento público, como está a acontecer. Apenas porque, por razões de natureza política (não apenas por exigência do próprio PS, mas do BE e do PCP), o Governo decidiu reduzir o IVA da restauração, ou num único ano fazer a reposição de todos os rendimentos. E propunha-se até fazer isso com a reposição da sobretaxa - já sabemos agora que não será. E isso porque o Governo não está preocupado só com a meta do défice, está preocupado também em ceder às exigências da sua própria maioria que precisa desses resultados para poder justificar o apoio ao Governo.
O senhor foi primeiro-ministro de um Governo cujo ministro das Finanças, Vítor Gaspar, procedeu ao “brutal aumento de impostos”.
Enorme. Sabe como eu sei? Fui eu próprio que disse na altura ao ministro Vítor Gaspar: “Vítor quando apresentar o Orçamento faça favor de não disfarçar porque as pessoas não gostam de ser enganadas, nós vamos fazer um enorme aumento de impostos comunique isso às pessoas”.
Mas sente-se à vontade para criticar este aumento de impostos?
Totalmente. Eu vou-lhe explicar porquê. Quando nós aumentámos os impostos, sobretudo em 2013, em parte também em 2014, fizemo-lo na medida em que precisávamos, pela restrição financeira, de garantir um determinado nível do défice do Estado. E o Tribunal Constitucional não validava as soluções que nós apresentávamos do lado da despesa pública. A nossa primeira solução não foi aumentar os impostos. Os impostos tiveram de crescer, sobretudo ao nível do IRS por causa da sobretaxa, em razão da necessidade de ultrapassar a decisão que o Tribunal Constitucional tomou. Mas isso estamos a falar de 2013. Em 2013 o país ainda estava em recessão. Nós não estamos em recessão, o país está a crescer, está a caminho da normalização, pelo menos é o que o primeiro-ministro vem dizendo repetidamente: a austeridade acabou. Estamos a normalizar. Então porque é que estamos a fazer um aumento generalizado dos impostos? Mais: o primeiro-ministro veio dizer: “Vamos consignar a criação de um novo imposto sobre o património à segurança social”. Eu posso dizer que se o Governo não tivesse baixado o IVA da restauração para 13% não era preciso lançar este novo imposto, porque a sua receita prevista é até menos do que aquilo que o Governo decidiu prescindir quando baixou o IVA da restauração.
Isso é contraditório?
O que está a fazer então o actual Governo? Está a propor que sejam os proprietários de edifícios a pagar a receita que o Estado vai ter quando decidiu baixar o IVA da restauração, porque isso não trouxe beneficio nenhum que vá a quem vá a qualquer restaurante, como sabe os preços não baixaram.
Se o Governo do PSD-CDS não tivesse caído, nós nesta fase não teríamos aumentos indirectos, mas os funcionários públicos continuariam com parte do seu salário cortado e a sobretaxa não estaria toda reposta. Não estamos a falar só de opções num mesmo modelo?
Quando criamos a sobretaxa procurámos responder na altura à necessidade de reduzir o défice de diferente daquele que o Tribunal Constitucional nos consentiu.
Mas não estamos a comparar com 2013, mas de qual seria o projecto do PSD e do CDS hoje.
Já se vai tornar claro para si. Portanto nós tínhamos ou cortando salários ou em alternativa criando uma sobretaxa do IRS de responder a uma sotuação de emergência. Porquê? Nós precisávamos aquele dinheiro para gastar por que não tínhamos nada garantido pelo envelope financeiro da troika. Portanto se não nos deixavam cortar de um lado tínhamos de ir buscar o dinheiro do outro. Era assim. Mas não é assim hoje. Esse é o ponto que é importante. Nós hoje acedemos a mercado. Na altura o acesso a mercado era muito limitado. Temos baixas taxas de juro, na altura não tínhamos. Portanto, a restrição não é a mesma. Do que é que nós precisávamos, portanto? Precisávamos de investir o suficiente em processos de reforma do Estado que nos fossem permitindo diminuir gradualmente as necessidades de financiamento do Estado, para ir removendo estas medidas extraordinárias. Por isso é que eu propus justamente que pudéssemos fazer a reposição salarial, não num ano, mas em quatro e remover a sobretaxa, não num ano, mas em quatro. Isso dava-nos a possibilidade de fazer tudo sem ter a necessidade de cobrir essa receita por novos impostos. Porque isso não é remover a austeridade, isso é substituir uma austeridade de emergência por uma austeridade permanente com outros impostos que vêm para ficar. Ora isso não faz sentido. Mas agora vou dar-lhe um exemplo de porque é que nós não teríamos de fazer isto. Por exemplo, nós temos hoje taxas de juro a dez anos que são praticamente três vezes as espanholas, cerca de dois pontos percentuais [de diferença]. Mas em Setembro do ano passado essa diferença não chegava a meio ponto percentual. Com o Banco Central Europeu a ter a política tão acomodatícia, porque é que estamos a pagar mais juros do que Espanha?
E qual é a sua resposta?
É porque o mercado não confia na política que está a ser seguida evidentemente, toda a gente sabe isto. E por isso é que estamos a ser penalizados. Sabe quanto custa isto a Portugal? Nesta altura, com esse diferencial, custa sensivelmente mais 350 milhões de euros por ano do que custaria se não houvessem dúvidas e falta de confiança sobre a dívida portuguesa. E temos aqui um elemento que permitiria reduzir esta pressão que o Governo sente para se financiar. Mas dou-lhe outro: nós tínhamos proposto, por exemplo, com a concessão a privados dos transportes públicos urbanos de Lisboa e do Porto, poupar quase cem milhões por ano nos próximos dez anos. Iríamos reduzir as necessidades de financiamento do Estado ao longo destes dez anos. O que é que o Governo fez? Aumentou essas necessidades. Claro, precisa de mais dinheiro para as cobrir. Portanto, em vez de termos um período em que vamos substituindo gradualmente as medidas de emergência por medidas de normalidade, o que estamos a fazer é a substituir medidas de emergência por outras medidas de agravamento de impostos que vêm para ficar. Ora, isto não é remover a austeridade.
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