Saída de anestesistas inviabiliza cirurgias no Hospital de São João
Directora do serviço, no Porto, demitiu-se face à escassez de especialistas que saem para o privado. No país, estima-se que faltem entre 300 e 600 para resolver problema que afecta a maioria dos hospitais.
O Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, está a assistir à saída de vários anestesistas e as escalas de serviço já evidenciam dificuldades em destacar médicos, o que está a obrigar ao adiamento de cirurgias todos os dias. Para superar a falta de profissionais, o serviço tem vindo a destacar internos para os blocos operatórios, violando as normas. A situação já terá originado pelo menos uma queixa à Ordem dos Médicos (OM). A directora do Serviço de Anestesiologia, Fátima Pina, pediu a demissão na semana passada face à falta de recursos.
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O Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, está a assistir à saída de vários anestesistas e as escalas de serviço já evidenciam dificuldades em destacar médicos, o que está a obrigar ao adiamento de cirurgias todos os dias. Para superar a falta de profissionais, o serviço tem vindo a destacar internos para os blocos operatórios, violando as normas. A situação já terá originado pelo menos uma queixa à Ordem dos Médicos (OM). A directora do Serviço de Anestesiologia, Fátima Pina, pediu a demissão na semana passada face à falta de recursos.
No total, o balanço dos médicos em falta no serviço chegará a 11 elementos nos próximos dias. Em Setembro foram-se embora dois anestesistas e para este mês está prevista a saída de uma médica que decidiu trocar o serviço público pelo privado. No início de Novembro ir-se-á embora mais um especialista e outro médico deixa o CHSJ para ir trabalhar na Arábia Saudita. Neste momento, o serviço tem ainda cinco especialistas de baixa médica prolongada.
O PÚBLICO contactou o conselho de administração do S. João que não quis comentar. Também o director clínico, José Artur Paiva, remeteu esclarecimentos para esta quarta-feira.
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Ao PÚBLICO vários médicos do CHSJ deram conta do “caos” que se vive no serviço e o recurso a internos. O médico Fernando Abelha admitiu estar muito “preocupado” com a saída dos colegas.
Na sexta-feira, alguns blocos operatórios não funcionaram de manhã por falta de especialistas. Foi o que aconteceu na sala 3 de Cirurgia Geral e na sala 10 de Cirurgia Vascular, apurou o PÚBLICO. Também nessa manhã, um dos blocos da Cirurgia Torácica não esteve disponível. Nesta semana, a situação complicou-se. Na manhã de segunda-feira não houve cirurgias na Ortopedia. Não havia anestesistas escalados.
O problema não é exclusivo do São João. A falta de anestesistas tem vindo a agravar-se em todo o país. No ano passado, a direcção do Colégio de Anestesiologia da OM divulgou os resultados de um levantamento exaustivo sobre as necessidades nos hospitais públicos (Censos 2014) e os resultados foram preocupantes: segundo os directores dos serviços das 52 instituições que responderam ao inquérito, faltavam então 467 especialistas. Um número que Paulo Lemos, presidente do colégio da especialidade da OM, considera poder ser “um pouco ambicioso”, porque acredita que com mais 300 especialistas seria já possível aliviar a situação dos hospitais públicos, que “é pior no Sul e no interior” do país.
“No Algarve, a situação é crítica”, frisa Paulo Lemos. Segundo os dados mais recentes divulgados pela Administração Central do Sistema de Saúde, em Junho havia 20 anestesistas nos hospitais da região. Mesmo no Norte, a região com o melhor rácio de especialistas por 100 mil habitantes, há problemas em várias instituições, como o Hospital de Vila Real que em Agosto foi notícia por causa do cancelamento de cirurgias devido à falta de anestesistas. Mas também no Barreiro e em Almada a situação é complicada, nota o médico.
No interior, os quadros estão envelhecidos e é difícil contratar jovens, acrescenta Paulo Lemos, que advoga uma “mudança do sistema” que hoje “não é nada justo e convida à saída” dos especialistas dos hospitais públicos. Em 2014, aliás, já havia cerca de duas centenas de anestesistas a trabalhar exclusivamente no privado.
A agravar a situação, há médicos do quadro de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que preferem trabalhar à tarefa noutros hospitais, porque “ganham três vezes mais, recebendo cerca de 50 euros por hora”.
Na altura, a OM propôs medidas para minorar a curto prazo o défice de anestesistas que passavam pela criação de condições mais “competitivas” para que estes ficassem nos hospitais do SNS. “Demos pistas aos governantes e dirigentes, apontámos caminhos que eles não seguiram. Continua tudo exactamente igual, até diria que se agravou. Alguns saíram do país, outros reformaram-se”, lamenta Paulo Lemos.
Mais de 100 emigraram
Lucindo Ormonde, que coordenou os trabalhos sobre a rede de referenciação nesta especialidade, acredita que são necessários muito mais antestesistas. “Precisávamos pelo menos de mais de 600 especialistas”, diz o director do Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, que lembra que esta especialidade não está confinada às cirurgias e aos blocos operatórios, como muitos pensam. Há outras áreas, como a da dor e a dos cuidados intensivos, enumera o responsável. Mesmo no seu serviço, que conta com 58 profissionais, calcula que seriam necessários 99 anestesistas.
Além dos especialistas que saíram para o sector privado, nos últimos anos, contabiliza Lucindo Ormonde, emigraram mais de 100 profissionais. E o médico avisa que a situação ainda vai piorar nos próximos anos. “Entre 2018 e 2023, vamos perder quase um terço dos especialistas” por limite de idade para a aposentação, sublinha.