Comer feijoada é bom para perder peso?

Portugueses comem menos leguminosas do que o recomendado. Universidade de Lisboa organiza nesta quinta-feira uma conferência para discutir como será possível aumentar o consumo e a produção.

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2016 é o Ano Internacional das Leguminosas MANUEL ROBERTO

Quando a nutricionista Isabel do Carmo sugere a um dos seus pacientes que coma, por exemplo, uma feijoada ou um prato de rancho num regime alimentar em que o objectivo é perder peso, recebe muitas vezes um olhar surpreendido. Feijoada não é um prato que associemos a dieta. E, no entanto, diz, “tanto o feijão como o grão são bons para perda de peso”.

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Quando a nutricionista Isabel do Carmo sugere a um dos seus pacientes que coma, por exemplo, uma feijoada ou um prato de rancho num regime alimentar em que o objectivo é perder peso, recebe muitas vezes um olhar surpreendido. Feijoada não é um prato que associemos a dieta. E, no entanto, diz, “tanto o feijão como o grão são bons para perda de peso”.

Porquê? “Têm menos calorias, para o mesmo peso, do que massa ou arroz”, explica. O que significa que se pode comer uma quantidade um pouco superior, ficando mais saciado. “Dão maior saciedade e, portanto, maior satisfação”.

Isabel do Carmo, fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, é uma das oradoras na mesa-redonda da 1.ª Conferência Anual do Colégio F3 (Food, Farming and Forestry), nesta quinta-feira, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa, com o tema “Produção e Consumo de Leguminosas: um passado com futuro?”, onde vai defender precisamente um “regresso ao futuro” que passa por “feijoadas, ranchos e outras almoçaradas”.

Os portugueses comem menos leguminosas do que o recomendado — estas deveriam representar 4% da roda dos alimentos e não representam mais do que 0,7%. Isabel do Carmo nota resistências quando fala no tema, sobretudo da parte dos jovens. “Quando as leguminosas são secas têm uma confecção mais morosa porque é preciso pô-las de molho na véspera e esse foi um factor que levou as pessoas a abandoná-las.” Há, contudo, os enlatados que “perdem alguma qualidade mas ainda conservam bastante”.

Depois há a questão do tempo. Feijoada não é fast food. É um prato que se come devagar e que se digere devagar. “O feijão tem amido resistente, que, como o nome indica, resiste à acção das enzimas digestivas. E isso não só dá uma maior sensação de saciedade como diminui a absorção dos hidratos de carbono”, explica a nutricionista.

Aumento do consumo de carne

Mas, atenção, a ideia não é comer uma daquelas feijoadas cheias de carnes e em que o feijão é apenas um acompanhamento. É fundamental que o aumento do consumo de leguminosas seja acompanhado por uma diminuição do consumo de proteína animal. O que trouxe um grande desequilíbrio à nossa alimentação nas últimas décadas foi precisamente o enorme aumento da carne.

Numa tese sobre os benefícios económicos e ambientais da expansão da produção de feijão e grão-de-bico, Maria da Piedade Malheiro, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, traça um quadro que nos permite perceber o que aconteceu: entre 1970 e 2000 o consumo de carne aumentou cerca de 70% e o de leguminosas caiu 55,5%.

Ou seja, a proteína vegetal foi substituída — e ultrapassada em muito — pela animal. E juntamente com a proteína animal vem a gordura animal, que hoje consumimos em excesso. A par disso, comendo menos leguminosas, ingerimos também menos fibra.

Apesar de o feijão e o grão serem os mais consumidos em Portugal, as lentilhas, as favas e as ervilhas são também recomendadas por Isabel do Carmo. “Temos necessidade de aminoácidos essenciais que o organismo não fabrica. As leguminosas são ricas nisso, embora não tanto como a carne ou o leite. Mas pode-se conjugar as duas coisas numa dieta equilibrada.”

O tremoço e a soja

E depois há o tremoço, bastante popular em Portugal, que tem a vantagem de ter, no nosso organismo, “uma absorção muito pequena de hidratos de carbono em relação ao seu volume, o que significa uma diminuição da absorção de açúcar”. Já a soja — que Portugal não produz — não entusiasma a nutricionista. “Nós, povos da Europa, da Península Ibérica, não temos os organismos habituados ao consumo de soja” como acontece com alguns povos asiáticos. Por isso, diz, não faz muito sentido introduzi-la agora com um papel importante na nossa alimentação.

Com Isabel do Carmo na mesa-redonda da Conferência do Colégio F3 (entre as 10h e as 13h) estarão Helder Muteia, representante em Portugal da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO), Charles Godfray, professor na Universidade de Oxford e director do programa Futuro da Alimentação, Eduardo Diniz, director-geral do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural e Vítor Martins dos Santos, director do Centro de Biológia Sintética e de Sistemas da Universidade de Wageningen, na Holanda.

À tarde, entre as 14h e as 17h30 haverá um workshop no qual vários investigadores da Universidade de Lisboa apresentarão trabalhos ligadas ao desafio do aumento de consumo e produção de leguminosas — um objectivo anunciado pelas Nações Unidas para 2016, Ano Internacional das Leguminosas.

O Colégio F3 – que integra 12 Escolas da Universidade de Lisboa nas áreas de ciências naturais e sociais e que visa promover o conhecimento transdisciplinar ligado à alimentação, agricultura e florestas, associa-se assim à iniciativa da Nações Unidas. A conferência é aberta ao público, com inscrição gratuita mas obrigatória.