À espera de um sinal de Marte...
A Agência Espacial Europeia geria uma crise ao fim do dia desta quarta-feira: não sabia se o seu módulo Schiaparelli tinha chegado bem ao solo marciano. As coisas não pareciam favoráveis.
Só na quinta-feira de manhã se deverá ter uma noção mais clara do que se passou com o módulo Schiaparelli, que chegou ao solo marciano a meio da tarde desta quarta-feira. Os engenheiros da Agência Espacial Europeia (ESA) iam passar a noite em claro, a analisar os dados transmitidos pelo Schiaparelli durante a descida até ao planeta, mas o ambiente não era de festa. Era pelo menos de suspense, até à conferência marcada para as 9h de quinta-feira.
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Só na quinta-feira de manhã se deverá ter uma noção mais clara do que se passou com o módulo Schiaparelli, que chegou ao solo marciano a meio da tarde desta quarta-feira. Os engenheiros da Agência Espacial Europeia (ESA) iam passar a noite em claro, a analisar os dados transmitidos pelo Schiaparelli durante a descida até ao planeta, mas o ambiente não era de festa. Era pelo menos de suspense, até à conferência marcada para as 9h de quinta-feira.
A missão do módulo era só aterrar, são e salvo, em Marte, conseguindo mostrar, pela primeira vez, que a Europa era capaz de levar alguma coisa inteira até ao solo marciano.
Eram 15h58 de quarta-feira em Lisboa quando Thierry Blancquaert, coordenador de operações do Schiaparelli, referia, na transmissão em directo da ESA, que o módulo estaria a pousar em Marte naquele instante.
As imagens mostravam uma sala de engenheiros ansiosos a olhar para um dos grandes ecrãs onde deveria surgir um ténue traço branco. Um sinal de vida do Schiaparelli. E Michel Denis, director das operações de voo da ESA, caminhava de um lado para o outro, encolhendo os ombros.
O que os engenheiros da ESA sabiam então é que um radiotelescópio, instalado na Índia para detectar os sinais do Schiaparelli, tinha conseguido seguir o módulo até à entrada na atmosfera marciana. E que tinha detectado os sinais do módulo a abrir o seu pára-quedas, os sinais do pára-quedas a separar-se e os sinais dos motores a funcionar para amortecer a descida até ao solo. Mas, a seguir a tudo isto, mesmo antes da aterragem, o sinal do Schiaparelli deixou de ser recebido pelo telescópio. Isto não significava necessariamente que a aterragem tinha corrido mal, mas já não era uma boa indicação, uma vez que o telescópio foi detectando as outras manobras da descida — dizia o engenheiro aeroespacial português Tiago Hormigo, da empresa Spin.Works.
Após o radiotelescópio perder o sinal, a ESA ficou à espera de mais informação de outra das suas sondas em órbita de Marte, a Mars Express, que registou os dados do Schiaparelli durante a descida.
A transmissão em directo (que, diga-se de passagem, teve sucessivas falhas, com faltas de som ou microfones ligados em momentos errados) acabou por ser interrompida. A partir daí, a ESA também praticamente deixou de dar sinais de vida sobre o destino do Schiaparelli.
Entretanto, ao final da tarde desta quarta-feira, na conta do Twitter ou no Facebook da ESA surgiam só informações sobre o sucesso da missão com a sonda Trace Gas Orbiter (TGO), que tinha levado às cavalitas o Schiaparelli até às redondezas de Marte (separaram-se ambos no domingo e o módulo iniciou a sua aventura rumo ao solo marciano). A sonda tinha conseguido entrar em órbita do planeta. A ESA tinha razões para celebrar com a recepção do sinal da TGO e partilhava com toda a gente as mensagens dela para o planeta Terra. Sobre o Schiaparelli é que ainda nada havia a dizer.
“A espera é um pouco irritante. Mas não é uma surpresa. A possibilidade de receber um sinal pelo radiotelescópio era uma técnica experimental que se sabia que podia não resultar”, admitia o cientista Bruno Carvalho, da empresa Critical Software, que participa na missão. A perda de sinal, disse, pode estar relacionada com o local de aterragem — “pode ter ficado numa cratera” – ou com outro obstáculo para o radiotelescópio. “Captar este sinal é quase o mesmo que acender uma vela em Marte e tentar encontrar a sua luz aqui da Terra”, disse, desdramatizando na altura o silêncio de Schiaparelli.
Pelas 18h, a ESA publicava no Twitter que os dados da Mars Express enviados para a Terra não eram conclusivos. Era preciso esperar pelo registo dos dados do Schiaparelli por outras sondas, como a Mars Reconnaissance Orbiter (da NASA), também em órbita de Marte. A própria TGO deverá estar em condições de enviar esta quinta-feira dados sobre a aterragem do seu companheiro de missão.
Só a NASA (enquanto não se souber o desfecho da viagem do Schiaparelli) conseguiu que as suas sondas e robôs chegassem inteiros ao solo marciano. O que significa que só sete aparelhos conseguiram essa proeza. Primeiro foram as duas Vikings (em 1976), depois a missão Pathfinder com o seu robô Sojourner (1997), seguindo-se os robôs Spirit e Opportunity (em 2004) e a sonda Phoenix (em 2008) e, por fim, o robô Curiosity (em 2012).
Sem sucesso, a ex-União Soviética também tentou aterrar em Marte. Tal como a Europa já o tinha tentado uma vez, em 2003, com o módulo Beagle 2, desenvolvido pela Universidade Aberta de Leicester (no Reino Unido), mas que deixou de dar sinais de vida. Marte é um cemitério de sondas, e uma das razões é à sua atmosfera pouco densa. A resistência do ar que ajuda a travar a velocidade dos aparelhos espaciais é menor.
O Schiaparelli faz parte da primeira etapa da missão ExoMars, um projecto entre a ESA e a Rússia, que quer pôr um rover em Marte em 2020. A forma como terminar a primeira parte da missão deverá ter consequências na segunda. Dependendo da gravidade do que se passou ontem, há lições a tirar e, talvez, atrasos.
“A ExoMars 2020 já está em desenvolvimento. As tecnologias comuns com a ExoMars 2016 e que tenham falhado terão de ser objecto de uma intervenção”, disse Hormigo. “Resta saber se o tempo é suficiente para validar as tecnologias antes de as incluir no rover.”
acfreitas@publico.pt
teresa.firmino@publico.pt