A OIT na academia, uma simulação inédita na Universidade de Coimbra
A principal instituição de regulação global centrada nas preocupações do mundo do trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), completa 100 anos em 2019. Na edição de 2015 da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) – órgão máximo da OIT que reúne anualmente e aprova as convenções, recomendações e resoluções que tratam das condições de trabalho e das relações laborais – o diretor geral da OIT, Guy Ryder, propôs como tema de fundo comemorativo do centenário, O Futuro do Trabalho. Desde então, obedecendo ao espírito tripartido da OIT, isto é, envolvendo governos e representantes de empregadores e de trabalhadores, inúmeros debates e reflexões estão a ocorrer nos planos mundial, regional e local, versando tópicos como o trabalho e a sociedade, o emprego digno para homens e mulheres, a organização do trabalho e da produção e a governação do trabalho.
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A principal instituição de regulação global centrada nas preocupações do mundo do trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), completa 100 anos em 2019. Na edição de 2015 da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) – órgão máximo da OIT que reúne anualmente e aprova as convenções, recomendações e resoluções que tratam das condições de trabalho e das relações laborais – o diretor geral da OIT, Guy Ryder, propôs como tema de fundo comemorativo do centenário, O Futuro do Trabalho. Desde então, obedecendo ao espírito tripartido da OIT, isto é, envolvendo governos e representantes de empregadores e de trabalhadores, inúmeros debates e reflexões estão a ocorrer nos planos mundial, regional e local, versando tópicos como o trabalho e a sociedade, o emprego digno para homens e mulheres, a organização do trabalho e da produção e a governação do trabalho.
Neste quadro, a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, respondendo a um desafio lançado pelo Centro de Estudos Sociais/Universidade de Coimbra e pela OIT-Escritório de Lisboa, decidiu associar-se à organização de uma simulação da CIT, pela primeira vez realizada em espaço universitário europeu, colhendo assim a opinião dos estudantes da Universidade de Coimbra sobre o Futuro do Trabalho. A presença do diretor geral na sessão plenária da CIT, dia 20 de outubro, é o primeiro momento formal de um processo iniciado meses antes e que se prolongará até ao final do ano. Nos trabalhos preparatórios da simulação da CIT, os mais de 300 “delegados” inscritos (essencialmente estudantes de licenciatura e de mestrado de várias nacionalidades) reúnem em comissões e grupos de trabalho de acordo com a estrutura tripartida da OIT. Nesse exercício – eficazmente monitorizado por 13 “dinamizadores” (estudantes de doutoramento da Universidade de Coimbra e recém doutorados) –, cada delegado é desafiado a colocar-se “na pele” de representante de governos, empregadores ou trabalhadores, contribuindo assim ativamente para promover compromissos orientados pelo princípio do diálogo social que é apanágio da OIT.
Embora se trate de uma simulação, esta CIT aborda conteúdos bem reais. Vejamos os quatro subtemas propostos pelos “dinamizadores” para responder ao repto do diretor geral da OIT. Trata-se de desafios interligados, que farão parte de um relatório a remeter para uma Comissão de Alto Nível da OIT a quem é atribuída a tarefa de redigir o Relatório Final que o diretor geral apresentará à CIT do centenário, em 2019.
Primeiro, a problemática da macro-regulação económica, que constitui um apelo à perceção do lugar da política económica na promoção do crescimento, na criação e na qualidade do emprego, fatores particularmente relevantes no atual contexto de estagnação da economia internacional. A “era da austeridade”, experimentada de perto no contexto português, e o processo de desvalorização interna que lhe ficou associado, são matérias em discussão. Como o são também o endividamento público e privado, as desigualdades de rendimentos, o comportamento do setor financeiro, ou a substituição do “pleno emprego” pela “plena empregabilidade” no campo das políticas públicas.
Segundo, os impactos das mudanças tecnológicas no trabalho e no emprego, que há muito suscitam um misto de sentimentos de atração e de repulsa. Surgem aqui como possíveis tópicos em discussão o lugar das indústrias do futuro, os diferentes tipos de trabalho digital, as implicações da automação produtiva na vida de quem trabalha, os processos de individualização na gestão dos tempos de trabalho e do não trabalho, o desemprego tecnológico, as exigências de novas competências ou, ainda, as tensões entre atividades de serviço público tradicional e o recurso a plataformas tecnológicas (de que o recente conflito entre taxistas e as plataformas Uber ou Cabify é ilustrativo).
Terceiro, a discussão do problema das desigualdades no trabalho e no emprego. As desigualdades de género, vertidas em persistentes assimetrias salariais ou de acesso a lugares de responsabilidade nas empresas, ocuparão, por certo, um lugar importante. Igualmente, há que debater em que medida estão as formas de trabalho atípicas (contratação a termo, recibos verdes, trabalho a tempo parcial, temporário, à peça, etc.) a cavar desigualdades de rendimento e de acesso a direitos laborais e sociais. Por outro lado, urge analisar que novos desafios se apresentam à gestão de "recursos humanos" nas organizações. Trata-se ainda, provavelmente, de regressar ao debate sobre uma conhecida dicotomia, apresentada pelo sociólogo Michael Burawoy, entre relações de produção e relações na produção.
Quarto, tão ou mais importante quanto os pontos anteriores, surge o desafio de pensar o futuro das relações laborais como veículo de promoção de quadros equilibrados e estabilizados de direitos e deveres. Isso envolve, necessariamente, discutir como manter ativas as estratégias de diálogo/confronto/compromisso entre representantes de governos, empregadores e trabalhadores para que o trabalho, sendo um espaço de responsabilização e de dever profissional, seja crescentemente um locus de realização e valorização pessoal, de criatividade e de efetivação da democracia. O papel do diálogo social em geral, e da negociação coletiva em particular, assumem uma centralidade inquestionável no sentido de comprometer, de forma dinâmica, interesses diferentes.
As universidades são espaços privilegiados de reflexão e de debate, de confluência entre uma ciência crítica e uma ciência cidadã. Compostas essencialmente por públicos jovens, elas são, em parte significativa da sua missão, “agências de transição” para a vida ativa, importantes instrumentos para o acesso ao trabalho. Os contributos saídos da simulação da CIT, produzidos pelos estudantes/delegados da Universidade de Coimbra constituirão, por um lado, a expressão de sentimentos coletivamente partilhados, reveladores de angústias e perplexidades inerentes à sua condição e, por outro, uma oportunidade inédita de lançamento de desafios e proposição de caminhos portadores de novas esperanças dignificadoras do trabalho, em conformidade com os princípios fundadores e a agenda mais atualizada da OIT.