"Em muitas situações, o leite escolar é o único que as crianças bebem"
Nas escolas de Setúbal, foram identificados casos de crianças que desmaiavam nas aulas.
Ana Vizinho, técnica principal do Núcleo Distrital de Setúbal da Rede Europeia Anti-Pobreza, diz que uma parte do problema agora identificado se explica pela falta de meios para a alimentação num dos distritos do país onde são maiores os índices de pobreza.
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Ana Vizinho, técnica principal do Núcleo Distrital de Setúbal da Rede Europeia Anti-Pobreza, diz que uma parte do problema agora identificado se explica pela falta de meios para a alimentação num dos distritos do país onde são maiores os índices de pobreza.
Este problema agora evidenciado pela campanha da Fertagus – lançada para responder à frequência das situações de desmaios de pessoas que não se alimentaram de manhã – pode estar relacionado com a falta de recursos financeiros das famílias?
Não tenho nenhum dado estatístico que o comprove, mas considero que é possível haver uma relação. O número de famílias que foram solicitando apoio alimentar aumentou em Setúbal a partir de 2010, sobretudo até ao ano passado. As situações em que, existindo carência alimentar, não é solicitada ajuda – por corresponder a um fenómeno de pobreza envergonhada – acontecem muito. São pessoas que não pedem apoio mas não conseguem satisfazer as necessidades básicas alimentares. Por outro lado, não está a ser suficiente a capacidade do Banco Alimentar e de outras organizações em dar resposta a todas as pessoas que solicitam apoio. Em resultado de tudo isto, muitas pessoas podem estar a fazer a sua vida quotidiana habitual, a apanhar os transportes e a ir para o trabalho, sem terem as suas necessidades alimentares asseguradas. Por outro lado, podemos estar a assistir também a outro fenómeno de hábitos alimentares diferentes em que as pessoas, numa lufa-lufa diária, com grande dificuldade em conciliar a vida profissional e familiar não terem em casa os bens alimentares suficientes para tomarem o pequeno-almoço.
O recurso a dois empregos tornou-se mais frequente?
Portugal é um dos países com maior índice de pessoas em situação de pobreza que trabalham. O que acontece é que, em Setúbal, pessoas que têm emprego pouco qualificado, remunerações baixas, tentam arranjar outras soluções, como um segundo emprego, quando aumenta o custo de vida, ou quando a outra pessoa no agregado familiar fica desempregada.
Qual a situação nas escolas?
Os profissionais do ensino têm-nos falado muito na necessidade de voltar a valorizar-se o leite escolar, como sendo, muitas vezes, o único leite que as crianças bebem durante o dia no período de aulas. Desde 2010, ouvimos vários profissionais dizerem que há muitas crianças mais apáticas, muito cansadas, com um menor rendimento escolar, no início do dia. É uma situação que sempre existiu. E se, por um lado, algumas situações de pobreza se intensificaram, desde 2010, por outro lado, houve um conjunto de pessoas que não viviam em situação de pobreza e que vieram a cair nela, em Setúbal como no resto do país.
Conhece outros sinais de fraca alimentação das crianças?
Também soubemos de casos de crianças que desmaiavam nas aulas – era o sinal que permitia aos profissionais do ensino perceber que havia ali uma situação diferente, porque tudo o resto na família parecia inalterado. Ou ainda crianças com anemia em situações depois identificadas pelos serviços de saúde. Muitos professores foram identificando que havia qualquer coisa a passar-se.