Moscovo pronta a usar o argumento nuclear

A fuga em frente miltar é uma forma de se afirmar como superpotência, e não corresponderá a um desejo de confronto, dizem analistas.

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Vladimir Putin com um modelo de um bombadeiro Tupolev TU-160 Serviço de Imprensa Presidencial/REUTERS

Sempre se evitou, durante a Guerra-Fria, um real confronto entre as duas superpotências – as conflagrações foram sempre entre países apoiados por uma parte e outra. Mas a ameaça nuclear, ainda que com a destruição mútua garantida – que tinha uma interessante sigla em inglês, MAD – pairava permanentemente. A Rússia não hesitou em recuperar essa ameaça.

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Sempre se evitou, durante a Guerra-Fria, um real confronto entre as duas superpotências – as conflagrações foram sempre entre países apoiados por uma parte e outra. Mas a ameaça nuclear, ainda que com a destruição mútua garantida – que tinha uma interessante sigla em inglês, MAD – pairava permanentemente. A Rússia não hesitou em recuperar essa ameaça.

Em resposta à interrupção de negociações sobre a Síria entre os EUA e a Rússia – entretanto retomadas este fim-de-semana –, Moscovo deslocou mísseis com capacidade nuclear Iskander para Kalininegrado — um enclave russo no Mar Báltico junto às fronteiras da NATO, entre a Polónia e a Lituânia, para “exercícios militares”. Estes mísseis podem atingir alvos a 700 km de distância, o que deixa cidades como Berlim dentro do seu raio de acção.

Moscovo aproveitou ainda para reduzir a cooperação nuclear com os EUA, retirando-se de acordos sobre reciclagem de plutónio, investigação e conversão de urânio, “em resposta a actos não amistosos de Washington”.

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Estará a Rússia mesmo pronta a, mais do que abrir uma nova Guerra-Fria, entrar num verdadeiro confronto? “Vladimir Putin e os seus militares não querem entrar em conflito directo com a NATO. Encontram-se numa grande contradição: querem por um lado recuperar o estatuto de superpotência através da intimidação e do recurso à força, mas não têm nem os meios nem o desejo de enfrentar militarmente os países ocidentais”, disse ao Le Monde Marie Mendras, politóloga no Centro Investigação Internacional da Sciences Po, em Paris, e especialista em Rússia.

A gravidade destes actos está mais na prontidão da Rússia em puxar do argumento nuclear. “Face a um futuro que parece recheado de cada vez mais ameaças, o Kremlin está a direccionar o país para um clima de guerra permanente”, diz Mark Galeotti, especialista em Rússia no Instituto de Relações Internacionais. Nesse sentido, aumentou o orçamento militar de 2016 em cerca de dez mil milhões de dólares, cortando o da Segurança Social em seis mil milhões.

Mas o quadro estratégico é hoje muito diferente de antes da queda da União Soviética. “A Rússia não tem hoje aliados sólidos. Continua a ser uma potência militar e nuclear, mas tornou-se um ‘Estado médio’, em declínio demográfico, com uma economia em depressão, um PIB um pouco inferior ao de Itália, e uma sociedade em desalinho, que se prepara para empobrecer e fechar sobre si própria”, explicou Marie Mendras.

Mas à frente tem um líder autocrático, Vladimir Putin, que não hesita em agitar a ameaça nuclear, para não deixar fugir o estatuto de grande potência e falar de igual para igual com os Estados Unidos, frisa Marie Mendras. “A fuga em frente militar não responde a uma racionalidade geopolítica, mas ao objectivo essencial do regime: a sua sobrevivência política”, frisa a politóloga.