O paradoxo do horário de trabalho na função pública
Com a semana das 40 horas, a diminuição do número de funcionários públicos abrandou.
As diferenças entre o regime laboral na administração pública e no sector privado é um tema que tem sido usado demasiadas vezes pelos mais diversos governos como táctica para dividir.
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As diferenças entre o regime laboral na administração pública e no sector privado é um tema que tem sido usado demasiadas vezes pelos mais diversos governos como táctica para dividir.
Sempre que se tenta mexer nas regras laborais do Estado, invariavelmente, o assunto é apresentado, não como uma forma de reorganização do próprio Estado, nem como uma forma de aumento da produtividade dentro do Estado. É apresentado na lógica dos ‘mandriões’ do sector público contra um sector privado que não goza das mesmas benesses.
É um tipo de generalizações demagógicas que só atrapalham em vez de resolverem. Imagino que todos conhecerão casos de funcionários públicos ‘mandriões’, como funcionários do sector privado ‘mandriões’ e o seu inverso. Eu conheço vários. De um lado e de outro. E nunca encontrei argumentos para que as regras não devessem ser, genericamente, as mesmas num lado e no outro.
Apesar da abordagem desta matéria pelo poder político não ser, quase nunca a melhor, não deixam, ainda assim de ser surpreendentes alguns dos resultados obtidos pelo alargamento do horário de trabalho na função pública para as 40 horas e o regresso às 35 horas.
Já se sabia que as 40 horas tinham aumentado o absentismo, mas há várias surpresas que vêm numa pequena caixa do relatório do Orçamento do Estado para 2017.
“Após a introdução do período normal de trabalho de 40 horas, as horas suplementares iniciam uma trajectória ascendente, com valores superiores aos observados antes da adopção da semana de 40 horas”. Parece um erro. Mas não é. Quando a administração pública começou a trabalhar 40 horas por semana foi preciso recorrer a mais horas de trabalho suplementar do que quando a semana de trabalho era de 35 horas.
Mas há mais. Pode ler-se no mesmo documento que “entre o quarto trimestre de 2011 e o quarto trimestre de 2015, o emprego nas Administrações Públicas diminuiu 9,5%”, mas a redução do emprego “ocorreu maioritariamente antes da adopção do período normal de trabalho de 40 horas no quarto trimestre de 2013”. Ou seja, o número de funcionários públicos continuou a diminuir, mas abrandou após a entrada em vigor da semana das 40 horas.
Os números apresentados na proposta de Orçamento não trazem grandes explicações para o ocorrido. Mas sempre vai dando algumas. “Num contexto de onde se reconhecia a existência de recursos humanos em excesso, a decisão de aumentar o período normal de trabalho para 40 horas é uma contradição. Na prática, resultou mesmo num paradoxo. Enquanto se esperaria uma redução das necessidades de trabalhadores e de horas suplementares, observou-se um aumento do emprego público e das horas suplementares”.
Mas no mesmo trabalho, também há surpresas em relação à reposição das 35 horas.
A medida que não iria, segundo o Governo, aumentar custos, afinal tem: 25 milhões de euros. A medida que foi diabolizada pela direita e defendida acerrimamente pelo Governo e os partidos que o suportam, afinal apenas se aplicou a menos de metade dos funcionários. Dos 505.520 trabalhadores da administração central, perto de 52,4% tinham horários diferentes contratualizados e apenas 47,6% foram afectados pela redução do período normal de trabalho.
Quando promulgou a redução do horário de trabalho na função pública, Marcelo Rebelo de Sousa teve muitas dúvidas. Escreveu mais de cinco mil caracteres para justificar o não veto. Mas também deixou a ameaça que poderia ter de enviar a Lei para o Tribunal Constitucional se houvesse aumento de despesa. Perante tanto paradoxo, fica a dúvida do que irá fazer o Presidente da República.