Trabalho extra no Estado disparou apesar da semana de 40 horas
Redução do horário para as 35 horas custará 25 milhões de euros em 2017, com saúde a pagar 76% da factura.
O aumento da semana de trabalho de 35 para 40 horas, decidido pelo anterior Governo no final de 2013, teve efeitos inesperados e, ao contrário do que seria de prever, foi acompanhado por uma subida do trabalho suplementar, ao mesmo tempo que se assistiu a um abrandamento na redução do número de trabalhadores do Estado.
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O aumento da semana de trabalho de 35 para 40 horas, decidido pelo anterior Governo no final de 2013, teve efeitos inesperados e, ao contrário do que seria de prever, foi acompanhado por uma subida do trabalho suplementar, ao mesmo tempo que se assistiu a um abrandamento na redução do número de trabalhadores do Estado.
No relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, o Governo faz uma análise à evolução do trabalho suplementar, do absentismo e do emprego público de 2011 em diante e conclui que a entrada em vigor das 40 horas, no final de Setembro de 2013, resultou “num paradoxo”.
“Num contexto onde se reconhecia a existência de recursos humanos em excesso, a decisão de aumentar o período normal de trabalho para 40 horas é uma contradição. Na prática resultou mesmo num paradoxo. Enquanto se esperaria uma redução das necessidades de trabalhadores e de horas suplementares, observou-se um aumento do emprego público e das horas suplementares”, refere o relatório do OE, embora não quantifique estas evoluções.
O relatório do OE apresenta vários gráficos onde é claro que, a partir do 2º trimestre de 2014, as horas suplementares dispararam para níveis inéditos. Na análise aos dados, o Governo nota que a redução do pagamento por hora extra, em vigor desde o início de 2013, conduziu a uma redução substancial do trabalho suplementar na administração central. “No terceiro trimestre desse ano, as horas suplementares diminuíram cerca de 27% relativamente ao trimestre homólogo de 2012”.
Contudo, após a introdução das 40 horas semanais, “as horas suplementares iniciam uma trajectória ascendente, com valores superiores aos observados antes da adopção da semana de 40 horas”, lê-se no documento.
Pela leitura dos gráficos, nota-se que, depois do pico máximo verificado no final de 2015, o trabalho extra caiu significativamente no primeiro trimestre de 2016.
Adicionalmente, verificou-se também um aumento do absentismo no sector da saúde, algo que foi particularmente notório nos enfermeiros, “cujas taxas de absentismo aumentaram de 9% para 11%”.
O PÚBLICO solicitou ao Ministério das Finanças dados adicionais sobre a evolução do trabalho suplementar e do absentismo no Estado, mas não teve resposta. A tutela de Mário Centeno também não explicou por que razão o trabalho extra aumentou após a entrada em vigor das 40 horas. Uma das razões pode estar relacionada com o facto de, após a forte redução do número de trabalhadores verificada nos anos precedentes, o aumento do horário para as 40 horas não ter sido suficiente para fazer face às necessidades dos serviços.
76% dos custos concentram-se na Saúde
No relatório do OE, o executivo de Antonio Costa defende a redução da semana de trabalho para as 35 horas, em vigor desde Julho de 2016, e realça que parte significativa dos serviços conseguiu aplicar a medida sem custos adicionais.
O Governo garante que o regresso às 35 horas teve impacto sobretudo nos serviços que trabalham por turnos, em particular na área da saúde. Em 2017, o Governo prevê que a medida custe 25 milhões de euros. Uma grande fatia, 76%, é suportada pela saúde, onde se espera um aumento das despesas na ordem dos 19 milhões de euros.
Na maioria dos serviços, lê-se no OE, foi possível reduzir o horário de trabalho “sem custos financeiros e para a actividade”, através de “ganhos de produtividade, reorganização de equipas e motivação”.
No OE, o Ministério das Finanças afiança ainda que mais de metade dos funcionários não foi abrangida pela redução da semana de trabalho. Dos 505.520 trabalhadores da administração central (dados do primeiro trimestre de 2016), perto de 52,4% tinham horários diferentes contratualizados e apenas 47,6% foram afectados pela redução do período normal de trabalho.
Entre as carreiras onde o impacto da redução do horário semanal pouco se sentiu está a dos professores. Neste caso, a mudança para as 40 horas semanais em 2013 concretizou-se por via do acréscimo da chamada componente individual de trabalho (preparação de aulas, por exemplo), realizada fora do tempo lectivo. Por isso, a passagem para as 35 horas acabou por não ter reflexos significativos, uma vez que o tempo de permanência na escola em actividades lectivas não sofreu alterações.
Os médicos também não foram afectados, porque negociaram um horário de 40 horas semanais com o correspondente aumento salarial com o anterior executivo. Na saúde há ainda o caso, que não é referido no relatório do OE, dos enfermeiros com contrato individual de trabalho que continuam a trabalhar 40 horas.
A Polícia de Segurança Pública pratica 36 horas semanais e, no caso da GNR, foi fixado, já com o actual Governo, um horário de referência de 40 horas.
Depois de em 2016 os funcionários públicos se terem libertado dos cortes salariais e da requalificação e de terem conseguido voltar às 35 horas, os sinais para o próximo ano são modestos. Do ponto de vista pecuniário, os trabalhadores do Estado apenas podem esperar um alívio da sobretaxa (tal como os trabalhadores do privado) e um aumento do subsídio de refeição de 4,27 para 4,52 euros por dia.
Os prémios e as progressões continuam congelados, assim como as ajudas de custos. O trabalho extra continua a ser pago com cortes e mantêm-se as restrições às contratações, permitindo-se excepções em casos particulares devidamente fundamentados, e desde que não impliquem aumento dos custos globais com pessoal.
As 35 horas nasceram num governo de Cavaco e só com Guterres chegaram a todos