É preciso saber que estudante se quer antes de fazer uma revisão curricular

O historiador Guilherme d'Oliveira Martins garante que o novo perfil de competência do aluno no 12.º ano não será uma checklist.

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“Não queremos definir um estudante no qual ninguém se reveja", diz Guilherme d'Oliveira Martins Miguel Manso

A revisão curricular do ensino secundário só será delineada depois de estar concluído qual o perfil de competências que se espera de um estudante no final do 12.º ano, assegurou ao PÚBLICO Guilherme d'Oliveira Martins, coordenador do grupo de trabalho que tem estado por estes dias a elaborar aquele retrato.

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A revisão curricular do ensino secundário só será delineada depois de estar concluído qual o perfil de competências que se espera de um estudante no final do 12.º ano, assegurou ao PÚBLICO Guilherme d'Oliveira Martins, coordenador do grupo de trabalho que tem estado por estes dias a elaborar aquele retrato.

Em entrevista ao Diário de Notícias (DN), na quarta-feira, o secretário de Estado da Educação, João Costa, revelou que as alterações aos currículos começarão a ser aplicadas no próximo ano lectivo apenas nos anos iniciais do ensino básico (1.º, 5.º e 7.º). O objectivo é o de "emagracer" os currículos escolares. As associações de professores foram chamadas a colaborar. João Costa confirmou que a revisão do currículo no secundário está dependente da conclusão do perfil do estudante à saída do 12.º ano.

O grupo de trabalho que tem a missão de traçar o perfil do aluno que termina o secundário foi constituído pelo Ministério da Educação em Julho e deverá ter o seu trabalho concluído até ao final de Dezembro próximo. Mas desengane-se quem esteja à espera que dali saia uma espécie de metas curriculares ao quadrado, com uma listagem exaustiva do que os alunos devem saber nos vários domínios. “Não queremos nem que seja uma checklist, nem um documento teórico. Queremos que seja um instrumento que possa ajudar na organização curricular, que possa ajudar os professores e que possa, de uma forma durável, constituir-se como uma referência”, adianta o ex-ministro da Educação e ex-presidente do Tribunal de Contas.

O primeiro desafio, especifica, será o de se saber que “cidadão se quer ter à saída da formação obrigatória”. “E é aqui que está a complexidade deste trabalho, porque quando falamos da escola, da aprendizagem, não estamos a falar apenas da preparação para uma profissão ou uma carreira. Aliás já não é mais possível apostar-se numa formação para se ter a mesma profissão ao longo de toda a vida”, realça Oliveira Martins.

Apto à mudança

E qual é então o cidadão que se quer ter no final de 12 anos de escolaridade obrigatória? “O cidadão do século XXI”, responde aquele historiador, que é actualmente administrador da Fundação Gulbenkian. Ou seja, um cidadão que “seja livre e responsável, apto a lidar com a mudança e com a incerteza”, alguém que no final da educação formal “deve estar apto a continuar em formação, no âmbito da aprendizagem ao longo da vida e que assuma esta como um factor de desenvolvimento”.

É este, portanto, o ponto de partida para traçar o perfil de competências, o que está a ser feito, segundo Oliveira Martins, numa abordagem multidisciplinar, auscultando as escolas, e mobilizando conhecimentos desde as neurociências às ciências pedagógicas. E os pilares subjacentes já se encontram identificados. São eles a durabilidade e a diversidade.

“Não queremos definir um estudante no qual ninguém se reveja, como também não desejamos delinear um perfil que rapidamente se desactualize por estar dominado por um ou outro aspecto conjuntural”, estabelece Oliveira Martins, frisando a propósito que “as políticas educativas têm sempre repercussões a não menos de 20 anos” e que, portanto, o perfil que estão a elaborar tem também de responder a este desafio. Ser durável, em resumo.

Oliveira Martins lembra, a propósito, um outro estudo em que participou no final dos anos de 1980, com o objectivo de traçar o perfil cultural do estudante do 12.º ano, isto quando a escolaridade obrigatória tinha acabado de ser alargada ao 9.º ano. “É muito interessante, abre pistas, mas está datado. Primeiro porque o ensino secundário ainda não era obrigatório, como agora é, depois porque o peso das tecnologias neste estudo era praticamente nulo.”

Diversidade para motivar

O outro pilar em que assentará o novo perfil de competências é o da diversidade que, frisa, é “extremamente significativa” nos meios escolares. Como lidar com ela? Reconhecendo que é “indispensável” e que é preciso “criar condições para motivar o estudante independentemente do seu campo de interesse”.

Para Oliveira Martins é, por isso, “muito importante” que se avance, como já foi prometido pelo actual ministério, para uma gestão flexível do currículo, que permita às escolas definir uma parte das disciplinas que farão parte da sua oferta, adequando-as ao meio e às características da sua população escolar.

Esta foi também uma experiência pela qual passou, enquanto secretário de Estado da Administração Educativa (1995-1999), com o lançamento dos chamados currículos alternativos. Um exemplo que lhe ficou na memória foi o que se passou em escolas de Peniche, onde o insucesso era enorme, e que optaram por criar disciplinas mais dirigidas para a economia local, como as pescas. Resultado? “O sucesso escolar aumentou significativamente porque os alunos perceberam que a escola lhes podia dar algo” e isso acabou por contagiar o seu desempenho a outras disciplinas.

Mas esta é uma tarefa para o grupo de trabalho que se segue. 

Comunicação em falha

Apesar de recusar uma listagem do que o aluno deve saber, Oliveira Martins respondeu ao desafio do PÚBLICO para, “com as devidas cautelas”, apontar quais as competências que à saída do 12.º ano estão notoriamente em falta. Há duas que aponta de imediato. A primeira diz respeito às competências de comunicação, na qual se “deve introduzir o sentido crítico”, adianta, reconhecendo que existe “um défice de organização das ideias” e na sua transmissão de “forma clara”.  

A segunda competência mais em falha, que liga à primeira, é a da numeracia. “Estamos sempre a ouvir jovens a dizer que não gostam de Matemática, como se houvesse territórios proibidos, não há razão para que tal aconteça”, defende, lembrando que saber “lidar com a literacia e com a numeracia faz parte da comunicação”.