Pierre Etaix: morreu um dos últimos clowns
Era um dos últimos clowns do cinema, e um dos poucos herdeiros da tradição do burlesco e do slapstick que Chaplin, Keaton, Harold Lloyd desenvolveram durante as primeiras décadas do cinema.
Sem realizar nenhum filme há muitos anos, o seu nome era, hoje, conhecido sobretudo dos cinéfilos, o que não deixa de ser uma ironia algo cruel para um homem que nunca esqueceu – nem quis esquecer – a raiz eminentemente popular da sua arte. Pierre Etaix, que morreu esta sexta-feira em Paris, depois de ter dado entrada nas urgências de uma unidade hospitalar ao início do dia, não resistindo a uma infecção nos intestinos, era um dos últimos clowns do cinema, e um dos poucos herdeiros da tradição do burlesco e do slapstick que Chaplin, Keaton, Harold Lloyd, entre outros, desenvolveram durante as primeiras décadas do cinema, e que teve em França um dos principais seguidores através de Jacques Tati. Tinha 87 anos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Sem realizar nenhum filme há muitos anos, o seu nome era, hoje, conhecido sobretudo dos cinéfilos, o que não deixa de ser uma ironia algo cruel para um homem que nunca esqueceu – nem quis esquecer – a raiz eminentemente popular da sua arte. Pierre Etaix, que morreu esta sexta-feira em Paris, depois de ter dado entrada nas urgências de uma unidade hospitalar ao início do dia, não resistindo a uma infecção nos intestinos, era um dos últimos clowns do cinema, e um dos poucos herdeiros da tradição do burlesco e do slapstick que Chaplin, Keaton, Harold Lloyd, entre outros, desenvolveram durante as primeiras décadas do cinema, e que teve em França um dos principais seguidores através de Jacques Tati. Tinha 87 anos.
E Tati foi fundamental para a obra cinematográfica de Pierre Etaix, a quem muitas vezes se chamou, entre a homenagem e o menosprezo simpático, um “discípulo” do autor de Playtime, um “pequeno Tati”. Com origens semelhantes às de Tati – o espectáculo popular onde se fazia um pouco de tudo, entre o music hall e as acrobacias circenses – foi por Tati que se deu a sua introdução ao cinema, através de um “número” incluído em Há Festa na Aldeia (1956).
Etaix nunca deixou de ser actor, muitas vezes em pequenas participações, em filmes de outros realizadores, mas o contacto com o cinema fomentou-lhe o desejo de ser, como todos esses grandes burlescos, um “autor total”, à frente e atrás das câmaras. O seu primeiro filme, a curta-metragem Rupture, viu a luz em 1961, e logo no ano seguinte rodou a primeira longa, Le Soupirant, que foi um sucesso instantâneo e ganhou, nomeadamente, o Prémio Louis Delluc, atribuído a filmes inovadores ou de “vanguarda”.
Eram os anos 60 da Nouvelle Vague, e se Etaix não se confunde com ela é evidente que a espécie de “progressismo retrospectivo” que praticava, aquele olhar moderno sobre as formas clássicas, era um ponto em comum.
Le Soupirant já tinha a colaboração de Jean-Claude Carrière no argumento, mas decidia-se muito para além da escrita: era o tom, um humor agridoce, muito sonhador, muito onírico, reminiscente de uma “inocência” que o pós-II Guerra deixara de permitir, que fazia a diferença.
E, dentro dela, o lugar de Etaix, dirigindo-se a si próprio, pleno de uma graça cambaleante, a trabalhar uma coreografia, uma gestualidade, um tipo de humor muito físico que entretanto ou já tinha caído em desuso ou tinha dificuldade em encontrar praticantes à altura.
A sua curta obra restante – menos de uma dezena de filmes, entre curtas e longas e incluindo pontuais telefilmes, rodados entre as décadas de 1960 e 1980, prolongam esta via, em títulos como Yo Yo ou Tant Qu’on a la Santé, temperando o humor burlesco como uma camada de poesia reminiscente daquele surrealismo à la Cocteau, assente em trucagens artesanais, uma “magia” fabricada à mão.
Em 1970, com Pays de Cocagne, ensaiou algo diferente, um documentário humorístico sobre a França e os franceses, espécie de variação sobre o olhar de Tati em As Férias do Senhor Hulot. E se é verdade que é o seu filme de resultados mais discutíveis, o seu tremendo fracasso praticamente pôs fim à sua carreira de realizador.
Embora tenha ainda assinado alguns filmes, a partir dos anos 70 foi sobretudo um actor. Entrou nos Clowns de Fellini, colaborou com Jerry Lewis no famigerado (e até hoje inédito) The Day the Clown Cried, vimo-lo em filmes de Nagisa Oshima (Max Mon Amour), e mais recentemente em filmes de Otar Iosseliani (outro “discípulo” de Jacques Tati) ou de Aki Kaurismaki, certamente não por coincidência dois realizadores interessados na recuperação de um espírito do cinema popular de “outro tempo”.
Etaix esteve em Portugal em 2010, para apresentar uma retrospectiva integral da sua obra na Cinemateca, por ocasião de uma Festa do Cinema Francês. Era igual ao Etaix dos filmes, um homem doce, elegante e fisicamente frágil, sempre de sorriso tímido e sonhador.