Líder de rede de corrupção põe em causa dirigentes do PP espanhol

Francisco Correa confessou tudo, como esperado. A principal figura da “rede Gürtel” explicou como subornava dirigentes locais, e não só, em troca de contratos durante governos de Aznar.

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Aznar e Rajoy numa conferência da fundação do PP, em Madrid Pierre-Philippe Marcou/AFP

Já se sabia que Francisco Correa estava disponível para “colaborar com a Justiça”. Pois foi isso mesmo que fez ao longo do dia, na Audiência Nacional, em Madrid, em que descreveu como repartia os benefícios que recebia (2 a 3% de cada contrato que mediava entre empresas e dirigentes do Partido Popular no poder) com o tesoureiro do PP, Luis Bárcenas. Este, garante Correa, sempre lhe disse que o dinheiro se destinava a financiar o partido que hoje está no Governo em Espanha.

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Já se sabia que Francisco Correa estava disponível para “colaborar com a Justiça”. Pois foi isso mesmo que fez ao longo do dia, na Audiência Nacional, em Madrid, em que descreveu como repartia os benefícios que recebia (2 a 3% de cada contrato que mediava entre empresas e dirigentes do Partido Popular no poder) com o tesoureiro do PP, Luis Bárcenas. Este, garante Correa, sempre lhe disse que o dinheiro se destinava a financiar o partido que hoje está no Governo em Espanha.

O megaprocesso conhecido como “rede Gürtel” começou na terça-feira da semana passada. Tem 37 acusados, incluindo várias figuras do PP, do primeiro-ministro em funções, Mariano Rajoy. Tem o potencial para implicar dirigentes ainda mais importantes do que os que se sentam no banco dos réus e não deixará de expor a cultura de corrupção no partido. A investigação aberta em 2007 permitiu estabelecer que Correa seria o “cérebro” e gestor da rede concebida no final dos anos 1990 para atribuir contratos públicos em troca de subornos.

Bárcenas, o ex-tesoureiro, principal acusado de outro processo, o da contabilidade paralela do partido (que entretanto os juízes decidiram juntar a este), está acusado de delitos fiscais e são as suas palavras que os líderes do PP mais temem. Bárcenas, “guardião dos segredos financeiros” do partido, chegou a afirmar que parte do dinheiro das doações (desse “saco azul”) era usado para fazer pagamentos ilegais a dirigentes e que fez entregas em mão ao actual chefe do Governo, quando este era vice-presidente do partido.

Correa confirmou esta quinta-feira que todos os políticos acusados neste caso receberam dinheiro das suas mãos (excepto o ex-autarca de Estepona, Ricardo Galeote), que entregou dinheiro aos presidentes de câmara de Pozuelo de Alarcón, Jesús Sepúlveda, e de Majadahonda, Guillermo Ortega. Também admitiu ter oferecido dois carros a Sepúlveda – este era na altura casado com Ana Matos, ministra da Saúde de Rajoy forçada a demitir-se por causa do processo.

Outro facto que consta da acusação e que Correa admite é o milhão de euros que pagou a Alberto López Viejas, antigo vereador da Limpeza de Madrid e depois conselheiro do governo regional, quando a presidente da comunidade era Esperanza Aguirre (dirigente histórica próxima do antigo primeiro-ministro José María Aznar).

“Grupo Correa”

Correa, que trabalhou como paquete de hotel, começou a organizar eventos e depois campanhas para o PP. Iniciou-se assim uma relação íntima, em que este geria o sistema por si criado de subornos a políticos e funcionários em troca de contratos públicos (para várias empresas, incluindo algumas suas).

Foi Bárcenas quem primeiro o contactou para encontrar uma solução urgente para a falta de quartos de hotel para um congresso da Democracia Cristã; seguiram-se comícios.

A partir de certa altura, Correa trabalhava “25 horas por dia” na sede nacional do PP, que descreve como a sua “casa” nesses anos. Isto até 2004, quando Rajoy chegou à presidência do partido. Segundo explica Correa, a “falta de química” de Rajoy com o seu “número dois”, Pablo Crespo (que antes tinha sido secretário de organização do PP da Galiza), desencadeou o fim da sua relação com o PP nacional e levou-o a centrar a actividade do chamado “grupo Correa” (as tais empresas) em Valença.

No seu testemunho, o acusado ilibou os funcionários de todas as empresas envolvidas e afirmou que Aznar, secretário-geral do partido e presidente do Governo nos anos de maior actividade desta rede, “não estava a par dos orçamentos” que o envolviam, os da organização de eventos.

“Toda a equipa de Aznar”

Ainda sobre as suas relações no PP, Correa disse que trabalhava “com toda a equipa de Aznar” e que era “amigo íntimo” do seu genro, Alejandro Agag. Depois, comentando só os seus negócios na comunidade valenciana, reconheceu ter cobrado a construtores trabalhos que tinham como destinatário o PP. “Se nos diziam que tínhamos de facturar a um construtor nós facturávamos a um construtor”, descreveu. “Possivelmente em Valência fizemos coisas irregulares com o financiamento do PP.”

Correa, que enfrenta uma pena de 125 anos de prisão, reconheceu ainda ter escondido na Suíça dinheiro de pagamentos que recebeu como comissões de diferentes empresários, em troca das suas actividades de mediação e da ajuda prestada na obtenção de contratos. Também disse que não guardava facturas dos pagamentos que recebia para facilitar aos construtores a adjudicação de contratos públicos. “Não escrevi nada das gestões dos empresários privados que foram beneficiários, através da atribuição de obras.”

O julgamento iniciou-se num momento crucial da crise política que se vive em Espanha, com um governo em funções desde Dezembro de 2015, depois de duas eleições legislativas não terem permitido a formação de um novo executivo. A lógica indica que Rajoy e o PP seriam prejudicados com o regresso aos noticiários e às capas de jornais deste megaprocesso, mas os inquéritos mostram que os espanhóis estão quase anestesiados em relação à corrupção. De tão comum, acreditam que envolve toda a classe política.