Coleccionadores e jogos de espelhos no Festival de Marionetas do Porto
O Segredo de Simónides – Colecção de Coleccionadores, co-produção com a Comédias do Minho, é a criação portuguesa em estreia. Da Alemanha vem a grande aposta do festival, A Convenção dos Ventríloquos, de Gisèle Vienne.
A abertura oficial acontece apenas esta sexta-feira, com a estreia de uma nova criação de Raquel André, vencedora da 2.ª edição da Bolsa de Criação Isabel Alves Costa, O Segredo de Simónides – Colecção de Coleccionadores (Teatro Rivoli, 21h30). Mas o calendário do Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP 2016) começa já esta quinta-feira, com a reposição de Não sei o que o amanhã trará – a partir de Fernando Pessoa (Palácio do Bolhão, 21h), seguindo-se, amanhã de manhã, outra criação com jogos de espelhos, À procura de Lem (Teatro Campo Alegre, 10h30).
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A abertura oficial acontece apenas esta sexta-feira, com a estreia de uma nova criação de Raquel André, vencedora da 2.ª edição da Bolsa de Criação Isabel Alves Costa, O Segredo de Simónides – Colecção de Coleccionadores (Teatro Rivoli, 21h30). Mas o calendário do Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP 2016) começa já esta quinta-feira, com a reposição de Não sei o que o amanhã trará – a partir de Fernando Pessoa (Palácio do Bolhão, 21h), seguindo-se, amanhã de manhã, outra criação com jogos de espelhos, À procura de Lem (Teatro Campo Alegre, 10h30).
Fundado em 1989, o festival completa agora “um ciclo de quatro anos” em que contou com o apoio plurianual da DGArtes – mesmo que ultimamente reduzido a cerca de metade (60 mil euros) daquele que já teve. “Este ano tentamos confirmar algumas apostas e linhas que tinham sido seguidas desde 2010, como recentrar o festival num olhar sobre a marioneta. Isso foi feito. O festival redefine-se como um espaço em que o olhar sobre a marioneta contemporânea se torna uma coisa mais nítida, e os últimos anos têm sido nesse sentido”, diz ao PÚBLICO Igor Gandra, que desde a morte de Isabel Alves Costa (1946-2010) dirige o festival.
Exemplo dessa abertura a novos horizontes e práticas desta arte é Segredo de Simónides – Colecção de Coleccionadores, que esteve a ser “ensaiado” nas últimas semanas no Alto Minho, no espaço de acção das Comédias do Minho, que co-produz o espectáculo com o FIMP e o Teatro Municipal do Porto. Trata-se do resultado de “um trabalho que Raquel André – que anteriormente encenou Colecção de Amantes – tem vindo a desenvolver sobre as relações do coleccionismo com as artes performativas”, diz Igor Gandra.
“Raquel André colecciona os próprios coleccionadores, eles mesmos, pede-lhes que lhe contem um segredo, que lhe contem o que é ser coleccionador. Pede-lhes que se deixem coleccionar”, explica-se no texto da apresentação de Segredo de Simónides – Colecção de Coleccionadores, segunda criação ao abrigo da bolsa que homenageia a fundadora e directora do FIMP, e que contou este ano com dezenas de projectos candidatos.
Igor Gandra é também o encenador de À Procura de Lem, uma produção do Teatro de Ferro. Estreada em Lisboa (Centro Cultural de Belém), em Janeiro último, esta criação surgiu do interesse partilhado por Gandra com o cineasta e escritor Saguenail pelo universo do famoso escritor polaco de ficção científica Stanislav Lem (1921-2006).
Numa black box instalada em pleno palco do Campo Alegre, transformado num teatro não convencional, Gandra e Saguenail, autor da dramaturgia, convidam “o espectador a entrar no laboratório secreto de Lem, colocando-o na situação muito ambígua de ser simultaneamente cúmplice e refém” do escritor, “num jogo de máscaras e de espelhos em que nunca se chega a perceber muito bem quem é quem”, explica o encenador.
Como pressuposto para esta história está a hipótese de o autor de Solaris não ter efectivamente morrido em 2006, antes ter sido substituído por um robot, e ter passado a ser “um dos homens mais procurados na categoria de praticante de terrorismo intelectual”, diz Gandra, a apresentar a ideia de simulacro que está presente em toda a obra de Lem.
Jogo de espelhos é também, de algum modo, a proposta de Não sei o que o amanhã trará, produção do Limite Zero, com que Raul Constante Pereira revisita o universo de Pessoa. Estreada na edição do ano passado do FIMP, esta produção correu já vários palcos do país, e estava previsto ser agora reposta no Porto. “A proposta que nos foi feita de fazer regressar o espectáculo ao programa do festival foi uma boa surpresa”, diz o encenador ao PÚBLICO, realçando o interesse em fazer com que ele chegue ao público escolar e familiar.
Aceitando que “encenar Pessoa em marionetas é um grande desafio”, Raul Constante Pereira realça a importância da dramaturgia feita por Cecília Ferreira para o espectáculo. “Pessoa é um espelho partido. Aqui estão apenas alguns estilhaços. Não cortam, mas podem magoar… e fazer sonhar. São a vida”, escreve a autora da dramaturgia.
Três produções alemãs
Num calendário preenchido por uma dezena de espectáculos, o FIMP 2016 aposta também em três produções alemãs: Pulling Strings, Cabaret Berlinn (ambos no Mosteiro de S. Bento da Vitória, respectivamente dia 15 e dias 19 e 21) e A Convenção dos Ventríloquos (Teatro Rivoli, dia 22).
A primeira é uma criação de Eva Meyer-Keller, que vive e trabalha em Berlim, mas que traz agora ao Porto uma versão do seu espectáculo “feita de raiz para o festival”, diz Igor Gandra. Situando-se na intersecção da performance com o teatro de objectos, Pulling Strings propõe uma coreografia de fios, objectos e materiais diversos que podemos encontrar nos bastidores e camarins de um teatro: escadas, vassouras, tesouras, cabos eléctricos, etc…
Cabaret Berlinn é uma criação de Peter Waschinsky, outro berlinense, que transforma as suas mãos em marionetas – ou “não-marionetas” –, que põem as portas de Brandeburgo a dançar, Liza Minelli a cantar, e o Urso de Berlim a construir um… aeroporto.
A Convenção dos Ventríloquos, que assinala o encerramento do festival no grande auditório do Rivoli, é “o espectáculo de grande escala da edição deste ano”, diz Gandra. Marca o regresso ao FIMP – depois de Showroomdummies, em 2012 – da francesa Gisèle Vienne, que criou esta produção na Alemanha no ano passado, numa parceria com o escritor Dennis Cooper e a companhia Puppentheater. “A peça trata das razões pelas quais os ventríloquos fazem o que fazem, o que os levou a fazê-lo, o modo como o seu trabalho é visto pelos outros”, diz o programa do festival.
No calendário do FIMP 2016 há outras produções mais caseiras, de diferentes géneros: Kitune, pelo Teatro de Marionetas do Porto (Rivoli, dia 20); PITA, de Peter Rehberg, outro habitual colaborador de Gisèle Vienne (Rivoli, dia 22), e o clássico O Capuchinho Vermelho, a percorrer e animar vários locais da cidade (dias 19 a 22).
À imagem das últimas edições, haverá também WOPs e WIPs, o mesmo é dizer workshops e criação de novos trabalhos, com a particularidade de incluir um projecto dedicado a pessoas amputadas e com próteses, Experimento Frankenstein_3R15, dirigido por Mickaella Dantas.
Sobre o futuro do FIMP, Igor Gandra diz que ele "irá passar por alargar o campo sem perder a nitidez". "Para pensarmos a marioneta, hoje, temos de olhar para coisas muito diferentes e muito distantes dela, à partida, e ver que elas afinal não são tão distantes assim. A marioneta convoca uma série de questões que têm muito a ver com a magia, o animismo, a religião, a ciência… Nada e tudo”, acrescenta o director do festival.