Há uma razia nos pepinos-do-mar da ria Formosa

Pesca em excesso, para o mercado internacional, está na origem do desaparecimento abrupto em dois anos destes animais E não são só eles que estão em risco, alertam os cientistas. Vazio legal afasta a possibilidade de condenação.

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Pepinos-do-mar criados em aquacultura na Estação Experimental do Ramalhete, perto de Faro Raquel Costa/Still

Em dois anos, 75% da população de pepinos-do-mar desapareceu em vários locais da ria Formosa, no Algarve. A espécie Holothuria arguinensis é a mais afectada: junto à ilha da Armona havia 120 indivíduos por hectare, em 2014. Hoje, são cerca de 30. Apesar de estarem na área protegida do Parque Natural da Ria Formosa, é junto às ilhas da Armona e da Culatra que se detectam as maiores perdas.

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Em dois anos, 75% da população de pepinos-do-mar desapareceu em vários locais da ria Formosa, no Algarve. A espécie Holothuria arguinensis é a mais afectada: junto à ilha da Armona havia 120 indivíduos por hectare, em 2014. Hoje, são cerca de 30. Apesar de estarem na área protegida do Parque Natural da Ria Formosa, é junto às ilhas da Armona e da Culatra que se detectam as maiores perdas.

Os números preocupam os investigadores do Centro do Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR), dada a dificuldade de reprodução deste animal quando a sua densidade é baixa. Sabendo que os pepinos-do-mar são denso-dependentes (dependem da existência de grandes quantidades de fêmeas e machos para terem êxito na reprodução), Mercedes González Wangüemert, do CCMAR, alerta: “Já podemos falar do risco de a espécie desaparecer completamente da ria.”

E não só. Segundo noticiou o jornal Barlavento, também ao largo de Olhos de Água, de Albufeira e Sagres, onde a equipa da espanhola González Wangüemert tem vindo a monitorizar a população de pepinos-do-mar desde 2012, se registou a quebra de três quartos, de 2014 até agora. A população que sobra é maioritariamente juvenil, uma vez que os pepinos-do-mar adultos e reprodutores são a faixa etária mais afectada.

“Se continuar a este ritmo, em menos de dois anos não vamos ter nada em algumas localidades”, lamenta.

A causa está na “pesca abusiva”, aponta a investigadora. Os pepinos-do-mar – animal da família dos ouriços-do-mar e das estrelas-do-mar – são extremamente procurados para alimentação e medicina tradicional com destino ao mercado asiático. Tanto que os chineses são capazes de correr o mundo em busca deles. Secos, cada quilo pode chegar aos 150 a 200 euros. A somar ao valor nutricional (possíveis antioxidantes e ácido gordo ómega-3), estes animais são ainda usados na obtenção de substâncias para fins terapêuticos.

No entanto, González Wangüemert não arrisca classificar a pesca de “ilegal”, porque, na verdade, não há nenhuma lei que a proíba. Apesar de haver três espécies de pepinos-do-mar (Holothuria forskal, Mesothuria intestinalis e Sthichopus regalis) referenciadas num regulamento sobre a apanha de animais marinhos, nenhuma das existentes na ria Formosa está incluída nele: “Nesta zona, não há qualquer legislação específica.”

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A investigadora Mercedes González Wangüemert Raquel Costa/Still

Quando González Wangüemert confronta os mariscadores, como fez na passada semana ao largo da Armona, é a economia a falar: “Só numa maré apanho 70 ou 80 euros, no mínimo, de pepinos-do-mar. Faz ideia de quantas horas são precisas na apanha das ostras ou do lingueirão?”

Os mariscadores podem facilmente vender cada pepino-do-mar a 1,5 euros e, numa só maré, são capazes de apanhar 30 a 40 indivíduos, pelas contas da investigadora. E a venda não é difícil, dada a rede de processamento que os investigadores identificaram em Olhão, que escoa os animais para o mercado internacional. “Tendo em conta estas quantidades, já não estamos a falar de restaurantes locais”, o negócio chega mesmo a Hong Kong e a Pequim, afirma. Cá, tirando os restaurantes chineses, não há tradição de os comermos.

E as perguntas e propostas de empresas estrangeiras são cada vez mais frequentes, com a Malásia no topo da lista dos novos países interessados.

No Índico e Pacífico, a procura desenfreada já levou os cientistas a considerarem que nalgumas regiões os pepinos-do-mar estão “praticamente extintos”. Esta escassez nos trópicos tem provocado uma deslocação dos mariscadores para o Mediterrâneo e a costa europeia.

O que está em risco?

Não falamos só da sobrevivência de uma espécie, mas “de toda a diversidade de um ecossistema”, ressalva a investigadora do CCMAR. Tendo em conta a “pequena distribuição geográfica” destes animais, encontrados apenas desde o sul de Lisboa até ao fim da costa africana, um desequilíbrio local pode significar “um efeito em cadeia para o fim das espécies”.

Soma-se a isto a importância dos pepinos-do-mar na limpeza dos sedimentos depositados no fundo dos mares. “Estes bichos limpam a matéria orgânica e é deles que depende uma parte importante da cadeia alimentar do ecossistema.” A investigadora relata o desequilíbrio ecológico existente no Norte da Turquia, onde três espécies de pepinos-do-mar desapareceram por completo: “Começaram por morrer algas, depois peixes pequenos até se notar uma diminuição dos peixes maiores”, explicou.

Perante o risco de desaparecimento do animal em ambiente natural, o CCMAR começou a criá-los em terra, através da aquacultura, na Estação Experimental do Ramalhete, uma estação-piloto na ria Formosa instalada num antigo armazém da Companhia de Pescarias do Algarve, perto de Faro. Foi nesta estação que, em meados de 2014, nasceram as primeiras crias de pepinos-do-mar, precisamente a Holothuria arguinensis. Mas agora até esta criação “em terra” pode estar em causa: “Se continuar esta dinâmica, vou ficar sem reprodutores.” Risco que levou a cientista a pedir autorização à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (que financia esta investigação) para este ano ficar com os reprodutores, em vez de os libertar na ria como era procedimento habitual.

Apesar de não ter sido bem-sucedida em anteriores abordagens, González Wangüemert acredita que a solução passa pela sensibilização dos mariscadores para a pesca sustentável. No entanto, a investigadora vê a elaboração de uma lei e regulamentação restritiva como uma prioridade, para que, a partir daí, seja possível iniciar programas para restabelecer o número de animais. Outro dos objectivos é a criação de um programa de monotorização da costa em parceria com a Polícia Marítima e a GNR, para que seja possível fazer um registo dos animais que estão a ser capturados.